São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Segundo associação, estações importadas com verba de fundo setorial tinham equivalente nacional

Indústria acusa Inpe de ajudar estrangeiros

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Seria em princípio um procedimento normal. Em abril, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) comprou de um fabricante estrangeiro 80 plataformas de coleta de dados, no valor de US$ 1,2 milhão. Mas, segundo a Associação de Indústrias Aeroespaciais do Brasil, a compra foi feita em detrimento de um equivalente de fabricação nacional. A verba partiu dos fundos setoriais, que teoricamente deveriam fomentar a inovação dentro do país.
O Inpe alega que o equivalente nacional na verdade é feito por subsidiária de uma empresa americana e diz que o equipamento não estava propriamente qualificado para funcionar em conjunto com a rede de cerca de 600 plataformas, conectadas via satélite.
Walter Bartels, o presidente da Aiab, apresentou a denúncia em carta endereçada ao diretor do Inpe, Luiz Carlos Miranda, e enviada também a Carlos Américo Pacheco, secretário-executivo do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), e a Ildeu de Castro Moreira, da equipe de transição na área de CT&I (Ciência, Tecnologia & Inovação). Bartels sugere que o instituto tenha deliberadamente optado pela compra no exterior, "apesar de existir empresa nacional fornecedora na área de São José dos Campos".
A novela da compra das estações de dados meteorológicos já se arrasta desde 2001, quando foi aberta, e depois revogada, uma licitação para sua aquisição.
O projeto então passou às mãos da Funcate (Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais), tradicional parceira do Inpe. Ela recebeu recursos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), originalmente recolhidos por meio do Fundo de Energia do MCT (um dos fundos setoriais criados para o ministério para fomentar CT&I no país), para efetuar a compra das estações. O CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) do Inpe foi listado como executor.
Quando a compra é realizada por fundação, ela não precisa passar por licitação. Basta uma simples coleta de preços. E aí começa a confusão de versões. Segundo a Aiab, a empresa Squitter do Brasil teria se apresentado na licitação original (revogada por falta de tempo para conduzir o procedimento até o fim do ano, após uma das empresas participantes ter entrado com um recurso contra o resultado, em 31 de dezembro de 2001), mas não foi nem consultada na nova tomada de preços.
A versão que circula na direção do Inpe, segundo a Folha apurou, é a de que nenhuma empresa nacional havia se apresentado para a licitação original. Havia, sim, uma Squitter, mas a Squitter Electronics, empresa com sede na Flórida, criada em 1994. A subsidiária brasileira surgiu só em 1998.
Nessa primeira licitação, o equipamento fabricado pela Squitter já havia sido desqualificado, por não possuir certificado de homologação do Inpe, garantindo que as estações eram compatíveis com a comunicação via satélite exigida delas. Por isso, a empresa nem teria sido consultada quando recaiu sobre a Funcate a tarefa de comprar as 80 estações.
A Folha apurou que a correspondência entre a Aiab e o Inpe repercutiu no MCT, levando o ministro Ronaldo Sardenberg a pedir esclarecimentos a Miranda.

Carta aberta
Além disso, há indicações de que o instituto passa por uma crise interna. Uma carta aberta escrita por pelo menos uma dezena de pesquisadores do Inpe, que optaram pelo anonimato, está circulando internamente, fazendo críticas à atual direção. A diretoria não comenta a carta, por considerá-la "apócrifa".
Entre as críticas estão uma suposta deterioração das relações com a Agência Espacial Brasileira (AEB), o "patrulhamento" e a "censura" a pesquisadores e a troca de chefias e coordenadores em projetos cuja verba junto aos órgãos de fomento à pesquisa havia sido obtida pelos ocupantes anteriores das funções.


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