São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

Próximo Texto | Índice

MEDICINA

Programas desenvolvidos na Unifesp devem melhorar diagnóstico e terapia de crianças com distúrbios de leitura

Computador ajuda a combater dislexia

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O melhor amigo da criança na hora de aprender a ler, pelo menos quando ela tem dificuldades, deve ser mesmo o computador. Dois programas concebidos por pesquisadoras da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) podem se tornar boas ferramentas para ajudar os pequenos a conviver com a dislexia e superar outros distúrbios de leitura.
Um dos programas já está basicamente pronto, em fase de testes, e o outro está começando a ser escrito. Ambos atacam um problema que é mais comum do que se imagina. "Cerca de 10% das crianças na escola têm algum tipo de distúrbio de aprendizagem e até 6% delas apresentam distúrbios específicos de leitura", diz Vânia Carvalho Lima, fonoaudióloga da Unifesp e principal autora de um dos programas.
Pior: os problemas com leitura costumam ser mais graves do que os que ocorrem em outras áreas do aprendizado. "Quando uma criança tem problemas com matemática, ela é prejudicada só naquela matéria", diz Lima. "Mas, quando o problema é leitura, ele afeta todos os aspectos da vida."
Os sintomas desses distúrbios se manifestam de diferentes formas. Leitura lenta, dificuldade em modular e dar o ritmo correto ao texto, falhas na compreensão, confusão e troca de letras e dificuldades de memorização são alguns deles. Um caso particular de distúrbio da leitura, associado a problemas neurológicos, é a dislexia. Ela apresenta sintomas parecidos, mas geralmente é diagnosticada por exclusão, quando todo o resto parece falhar para explicar a dificuldade da criança.

Terapia digital
Dos trabalhos da Unifesp, o mais avançado é o coordenado pela fonoaudióloga Clara Brandão de Ávila. O software que ela concebeu já está sendo testado em pequenos grupos. "O programa está escrito e estamos começando os testes com ele", conta. "E os dados preliminares são positivos."
O enfoque do trabalho de Ávila é o uso do programa em terapia. Ele trabalha basicamente com os primeiros estágios do aprendizado da leitura (crianças de 6 a, no máximo, 8 anos), ainda nos processos iniciais de associação das letras com sons e sua reunião na formação de palavras.
O programa estimula a criança a melhorar seu desempenho a partir de "desafios" de leitura. Apresenta, por exemplo, uma sequência de letras, instando a criança a identificar a palavra -com um limite de tempo. Conforme ela vai acertando, o prazo para o acerto vai diminuindo, como um tipo de jogo. Assim, a criança se sente estimulada a melhorar.
Já o programa de Lima se concentra menos em terapia e mais em diagnóstico. Ele trabalha num estágio posterior da leitura, em que frases inteiras já são processadas pela criança e a compreensão passa a ser a principal dificuldade. "De certa forma, os dois softwares são complementares", diz Ávila.
O trabalho de Lima já está em andamento há um ano e meio, na fase de planejamento das especificações do programa. Ela espera estar com o software pronto para testes até o final do semestre. A idéia é que o programa seja um "sistema de apoio a decisão" -ou seja, auxilie os médicos na tarefa de fazer os diagnósticos e, logo, prescrever tratamentos.
"Pensamos inicialmente em desenvolvê-lo com um sistema de reconhecimento de voz, que permitiria o uso direto pelo usuário final, mas esses programas ainda têm problemas", diz Lima. Então, o software deve servir como uma ferramenta para médicos na hora de avaliar seus pacientes com problemas de leitura.
Ele será incapaz de oferecer um diagnóstico definitivo, até porque os distúrbios de leitura têm causas e origens muito diversas, mas ajuda a selecionar possibilidades.
O programa de Lima também tem operação bastante simples. Ele oferece um exercício de leitura para a criança, apresentando, por exemplo, um pequeno texto. O fonoaudiólogo assinala, durante a leitura, no computador, os erros que a criança comete. Vários exercícios são apresentados e, ao final da bateria, o programa oferece estatísticas sobre os erros e seus tipos mais frequentes, associando-os a potenciais diagnósticos.
Já existem programas similares em outros países, inclusive com sistemas de reconhecimento de voz. Mas no Brasil a área de desenvolvimento de softwares para a saúde é relativamente inexplorada, e o fato de o programa lidar com linguagem exige que ele seja concebido para o português. Isso impede a importação como forma de adquirir a tecnologia.


Próximo Texto: Panorâmica - Refeição cósmica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.