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MEDICINA
Material de cordão umbilical será usado para tentar curar doença genética que afeta músculos do irmão mais velho
USP usará célula de bebê contra distrofia
MAURÍCIO SIMIONATO
EDITOR-ASSISTENTE DA FOLHA CAMPINAS
Em uma operação inédita no
país, coordenada com uma pesquisa do Centro de Estudos do
Genoma Humano da USP, as informações genéticas do bebê Nicolas -que ainda vai nascer, no
próximo dia 21- serão usadas
para corrigir a doença de seu irmão Martin, 7, que sofre de distrofia muscular.
"Tudo o que mais queria era poder correr," diz o garoto Martin,
de Campinas (99 km de São Paulo). Isso pode deixar de ser um sonho a partir do próximo ano,
quando ele deve receber o transplante de células de seu irmão.
A mãe das crianças, Eva Cristina
Kerschbaum, disse que não teve a
intenção de gerar o segundo filho
só para salvar o primeiro.
"O segundo filho não foi planejado. Durante a gravidez, descobri
que havia um grupo pesquisando
a cura e que poderia ser voluntária nessa pesquisa, por estar grávida de um filho que não tem a
doença", disse Kerschbaum.
Parte da pesquisa é realizada pela coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, Mayana Zatz. Ela confirma que o caso não foi planejado, mas não
condena a possibilidade de um
mulher engravidar para tentar
salvar outro filho.
"É uma questão ética muito importante. Mas eu faria isso sem
pensar. Se não conseguir salvar o
primeiro filho, pelo menos a mãe
vai ter um outro. Se conseguir, será um sucesso. Não é por isso que
a segunda criança deixará de ser
amada", disse a cientista da USP.
Caso apresente resultados positivos, será o primeiro caso mundial de cura da distrofia muscular.
Além disso, serão beneficiadas
cerca de 30 mil pessoas que sofrem de distrofia muscular no
Brasil. Um de cada 3.500 meninos
no mundo nascem com a doença.
Existem pelo menos 30 tipos diferentes de distrofia muscular. O
mais frequente e grave é o de Duchenne, que começa a afetar a
pessoa a partir dos três anos e leva
à morte ainda na adolescência, ou
no começo da idade adulta.
A distrofia muscular é uma
doença progressiva, que degenera
toda a musculatura do corpo, inclusive a do coração e a do pulmão. Ela é transmitida pelos genes dos pais, na maioria dos casos. Cerca de um terço das ocorrências, porém, é causado por
mutação genética, como a que
Martin sofreu. Até agora, não
existe cura ou tratamento.
Músculos colonizados
Segundo Zatz, o objetivo do tratamento experimental é fazer
com que as células-tronco se reproduzam no músculo que tem a
distrofia. Células-tronco são células capazes de diferenciar-se em
muitos outros tipos de célula. Podem, por isso, "colonizar" outros
tecidos, onde seus genes sem defeitos auxiliariam na produção de
células sadias.
No momento do parto de Nicolas, o sangue de seu cordão umbilical será coletado e congelado.
Assim como o material da medula
óssea, ele também é abundante
em células-tronco.
Testes com o DNA do bebê, a
partir do material coletado da placenta, revelaram que Nicolas não
é portador da distrofia muscular.
Após a realização de testes de
compatibilidade genética, as células extraídas do cordão umbilical
serão injetadas na corrente sanguínea de Martin.
"O processo é como um transplante de medula, mas, neste caso,
as células-tronco são fornecidas
pelo cordão umbilical. As células
sadias são introduzidas no receptor e captadas pela medula óssea.
Depois, passam a colonizar o
músculo e a promover a expressão (produção) da proteína distrofina (que envolve a membrana
da célula do músculo) nesse tecido", disse o médico e geneticista
Sérgio Dani, da USP de Ribeirão
Preto, que testou com cães da raça
labrador a operação de implante
de células-tronco.
O principal problema é o risco
de rejeição. Os cientistas deverão
realizar uma série de testes, ainda,
antes de injetar o material na corrente sanguínea de Martin.
A idéia de utilizar as células-tronco para corrigir a distrofia
surgiu há dois anos, a partir de experiências com camundongos.
Cientistas da França, da Austrália e dos EUA também desenvolvem a mesma linha de pesquisa.
As experiências são realizadas
com cães que sofrem distrofia
porque são o modelo mais próximo da criança -em razão do tamanho e pelo fato de esses animais também apresentarem o
sintoma de fraqueza muscular, o
que não acontece com outros animais, como camundongos.
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