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AMBIENTE
Para o norte-americano Jared Diamond, cuidado com o ambiente determina sucesso ou extinção das civilizações
Colapso global pode ser evitado, diz biólogo
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Não, nossa sociedade tal como a
conhecemos não deve acabar em
colapso. Se tomarmos providências. É o que diz o biogeógrafo
norte-americano Jared Diamond,
67, professor da Universidade da
Califórnia, morador de Los Angeles e estrela de uma nova categoria
de acadêmicos que vêm sendo
chamados de historiadores ambientais. "Como civilização, nós
temos problemas muito sérios,
mas de possível resolução", falou
à Folha. "Tudo o que temos de fazer é decidir que nós queremos
resolver estes problemas."
Diamond é bem mais alarmista
em seu livro recém-lançado, "Collapse - How Societies Choose to
Fail or Succeed" ("Colapso - Como Sociedades Escolhem Falhar
ou Ser Bem-sucedidas", editora
Viking), que já está na lista dos
mais vendidos do jornal "The
New York Times". O que não é
um fato inédito para o autor de
"Armas, Germes e Aço", talvez o
maior best-seller evolucionista
dos últimos anos, ganhador do
prestigioso prêmio Pulitzer.
No anterior, teorizava sobre como a sociedade européia se sobrepôs às outras; no atual, que deve
ser lançado no Brasil no segundo
semestre, estuda civilizações do
último milênio para saber o que
diferencia as que se deram bem
das que se extinguiram. A unir os
livros e a resposta às suas perguntas? Ambiente, ambiente, ambiente. Fatores
ecológicos, mais freqüentemente
que guerras ou política, determinam o sucesso e o fracasso de povos, acredita. Leia a seguir entrevista telefônica com Diamond:
Folha - Vou começar com uma
pergunta que o sr. talvez esteja
cansado de responder, mas é inevitável: como civilização, estamos
condenados ao colapso?
Jared Diamond - Não, nós não
estamos condenados ao colapso,
senão eu não teria escrito mais
um livro e sim me suicidado. Em
vez disso, diria que como civilização nós temos problemas muito
sérios, mas de possível resolução.
Tudo o que temos de fazer é decidir que nós queremos resolvê-los.
Folha - Qual seria nosso problema
principal, então?
Diamond - Não quero ser irônico
ao responder isso, mas nosso problema principal é buscar um problema principal para resolver.
Não temos um só problema, mas
doze. Se nos concentrarmos em
apenas um e esquecermos os outros onze ou vice-versa, estaremos perdidos da mesma maneira.
Por exemplo, se resolvermos a escassez de petróleo e as mudanças
climáticas mas não lidarmos com
a questão da água, esta sozinha
pode nos destruir.
Folha - No livro, o senhor examina civilizações antigas e novas e os
motivos de algumas delas terem sido bem-sucedidas e outras não. No
final, o motivo parece estar sempre
ligado a alguma causa ambiental.
Não é um reducionismo, um certo
determinismo ecológico?
Diamond - Não concordo inteiramente. Este é o problema de ter
um título chamativo e pequeno
para um livro. Você, no caso o seu
editor, tem de escolher a palavra
mais impactante, "Colapso!", pois
não existem livros com títulos de
sete páginas, como eu gostaria de
ter batizado o meu. Um título
mais completo diria que este livro
é sobre civilizações, ponto. Algumas delas deram certo, e eu procuro examinar o porquê, e outras
deram errado, idem. Nem sempre
por problemas ambientais.
Veja, por exemplo, o colapso do
Paraguai no século 19. A sociedade paraguaia foi destruída não
por conta de alguma questão ambiental, mas por ter tomado algumas decisões estúpidas que levaram o país à guerra contra os vizinhos Bolívia [Uruguai, na verdade], Argentina e Brasil simultaneamente. Não foi uma boa idéia,
a maioria dos homens paraguaios
morreu. Outra civilização citada é
a União Soviética, que entrou em
colapso há apenas doze anos. Sim,
houve desastres ambientais na ex-URSS, mas não foram decisivos
para o fim do país: a política foi.
Um título melhor para o livro
seria: "O Colapso de Sociedades
Envolvendo um Componente
Ambiental e em Alguns Casos
Contribuições de Mudança de
Clima, Vizinhos
Hostis, Parceiros
Comerciais, Mais
um Questionamento sobre a
Resposta da População".
Folha - O sr. citou
a escassez do petróleo, então quero fazer uma provocação: a SUV (picape campeã de
consumo de gasolina e emissão de
gás carbônico que
é coqueluche entre
os americanos) vai
destruir os EUA?
Diamond - (Risos) Não, a SUV
sozinha não vai
destruir os EUA, é
apenas uma das
coisas que os EUA
estão fazendo errado. Se nós resolvemos todos os
outros problemas
que devem nos levar à destruição
como civilização,
podemos nos dar
ao luxo de manter
esses carrões rodando. Mas se nos livrarmos de
todas as milhões de SUVs que rodam no país hoje e não fizermos
mais nada em relação ao resto,
corremos o risco do colapso.
Folha - Há quem argumente que
as inovações tecnológicas, que adquiriram uma velocidade e uma
acessibilidade inéditas em nossa
era, nos salvariam do tal colapso. O
sr. concorda?
Diamond - Não, na verdade acho
que é exatamente o contrário. As
pessoas usam a desculpa, a esperança dos avanços tecnológicos
para continuar com o mesmo estilo de vida baseado no desperdício. Quer um exemplo? A SUV.
Eis um grande avanço tecnológico em termos automobilísticos.
Mas não está nos ajudando como
civilização, está?
OK, estou sendo
ranzinza. A tecnologia pode ter alguma contribuição positiva. Para
ficarmos no campo da energia, poderemos descobrir uma maneira
mais eficiente de
usar o vento ou a
maré para nos
ajudar a reduzir
nossa dependência dos combustíveis fósseis...
Folha - Sua base
são civilizações
passadas e pequenas, como a da ilha
de Páscoa. Como é
possível fazer a conexão com sociedades maiores e
mais complicadas
como a de hoje?
Diamond - Você
tem razão no caso
da ilha de Páscoa,
mas discuto também a maior civilização do Novo
Mundo, os maias.
Eram cerca de 50
milhões, não tantos quanto os
brasileiros de hoje, mas eles deram um jeito de se destruir. Entre
os casos bem-sucedidos, cito o Japão, que também não é tão grande quanto o Brasil, mas sobreviveu isolado, pois resolveu seus
problemas florestais no século 16.
Folha - O sr. diz que quando estuda o colapso de uma sociedade procura por cinco características comuns: o grau e a natureza do dano
ambiental; o grau e a natureza das
mudanças climáticas; o nível de
hostilidade das sociedades vizinhas; o grau de confiabilidade dos
parceiros comerciais; e a resposta
da sociedade aos seus problemas.
Há algum país hoje que preencha
negativamente todos esses itens?
Diamond - Sim, há hoje em dia
cerca de 25 países em que eu encontro essas características de
maneira negativa. Um deles? O
Haiti, que divide a ilha de Hispaniola com a República Dominicana. O país tem problemas terríveis
de desflorestamento, o que causou mudanças de clima, com a redução da quantidade de chuva.
Aliás, o Brasil vai enfrentar ou já
enfrenta problema semelhante,
por conta da Amazônia.
Mas voltando ao Haiti: eles têm
inimigos, moderados, mas inimigos, e não há muitas nações amigas dispostas a ajudar o país. Por
fim, o Haiti tem problemas com a
resposta da população à mudança: uma elite política e econômica
interessada em continuar rica e
poderosa e não em resolver os
problemas do país e de seu povo.
Folha - O Brasil está na lista?
Diamond - (Irônico) Não, tenho
absoluta convicção de que a elite
política brasileira está mais interessada em ajudar o povo do que
em enriquecer.
Folha - Assim como vem fazendo
a administração de Bush?
Diamond - (risos) Exatamente!
Você capturou o espírito.
Folha - Já esteve no Brasil?
Diamond - Infelizmente, não. Fui
convidado algumas vezes, e penso
em ir. Mas estive em Iquitos, na
Amazônia peruana.
Folha - Tendo visto in loco a floresta, qual seu prognóstico?
Diamond - Vejo muitas possibilidades. É o complexo biológico
mais rico da Terra, o ambiente
que tem mais plantas e espécies
animais do planeta e na parte brasileira vejo a mais rica floresta do
mundo, uma farmácia a céu aberto. Mas a floresta amazônica sobrevive de sua grande quantidade
de chuva. Quando você corta as
grandes árvores, diminui a quantidade de chuva. Vejo problemas
ainda na riqueza do solo, cujos
nutrientes vêm principalmente
dessas grandes árvores, que estão
sendo cortadas. Esse é o maior
problema no Brasil hoje.
Folha - Há colegas seus de academia que dizem que a próxima guerra será por água, não por petróleo.
Diamond - Não necessariamente. Há muito pelo que ir à guerra
ainda. Há lugares em que a próxima guerra será causada por fome.
Mas concordo que a água já é um
problema sério. Síria e Turquia,
aliás, China e Bangladesh e Vietnã, EUA e México, Hungria e Eslováquia, todos já estão brigando
por água. Mas a grande guerra do
petróleo ainda está longe de acabar. A Venezuela, um dos maiores
exportadores para os EUA, anunciou na semana passada que assinou acordo de fornecimento com
a China. Eis um potencial conflito
entre China e Estados Unidos.
Folha - Por fim, o sr. acha que a
reeleição de Bush contribui para o
colapso das civilizações?
Diamond - Eu tenho ouvido
muito esta pergunta desde novembro último. (Risos). Tenho
duas respostas. Primeiro, ao escrever meu livro não quis pregar
aos convertidos, a quem já aceita
que vivemos um grande problema ambiental, mas convencer os
que discordam dessa idéia. E, se
eu quero convencer estas pessoas,
é importante que eu não insulte
George W. Bush e quem pensa como ele. E já deu resultados: eu comecei a ser procurado por ministros e parentes próximos do presidente sobre o assunto.
Segundo, lembre-se de que o
presidente não é a única pessoa
que determina a política ambiental do país. Há os Estados, e muitos têm políticas avançadas. Por
exemplo, a Califórnia; Schwarzenegger está processando a União
e está sendo processado de volta
em diversas questões ambientais.
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