São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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O canto da extinção

Reprodução
O dodô ganhou esse nome de marinheiros portugueses, que o chamavam de "doido" por ser manso demais


Cientistas escavam maior cemitério já descoberto da ave-símbolo da extinção para tentar descobrir finalmente como ela vivia

STEVE CONNOR
DO "INDEPENDENT"

Por ser um animal tão icônico, parece estranho que nós não saibamos nada sobre o dodô -exceto, é claro, que ele está extinto. Não sabemos como ele vivia, o que comia, quantos ovos chocava e nem se era gordo ou magro. Mas tudo isso pode mudar com uma expedição científica que acaba de começar nas remotas ilhas Maurício, no oceano Índico, onde o dodô viveu por milhares de anos antes de ser eliminado da face da Terra, no século 17.
Cientistas holandeses e britânicos se juntaram para escavar um cemitério de dodôs único, onde os ossos de até milhares dessas aves foram preservados por mais de 10 mil anos. Será a primeira vez que cientistas terão acesso a ossos intactos de dodôs. Finalmente, alguma luz poderá ser lançada sobre uma misteriosa criatura que virou o símbolo de como é fácil para o homem eliminar uma espécie.
O Mare Aux Songes, nas ilhas Maurício, foi um dia uma floresta costeira que depois virou um pântano. No ano passado, cientistas disseram ter encontrado ali ossos de uma grande variedade de animais -tartarugas-gigantes, dodôs e outros répteis e aves extintos-, todos anteriores à chegada dos primeiros seres humanos às ilhas, em 1598. "A descoberta é de imensa importância e nos dará um novo entendimento sobre como os dodôs viviam", explicou Julian Hume, do Museu de História Natural de Londres.
"Pela primeira vez nós poderemos responder a questões como quantos dodôs viviam na ilha e o que eles comiam. Restos de dodôs jovens também podem revelar como eles se reproduziam e que tipo de pais eles eram", afirmou.
A primeira descrição de um dodô vem de um marinheiro holandês chamado Hayndeick Jolinck, que liderou uma expedição à ilha em 1598. Ele descreveu grandes aves com asas do tamanho das de pombos -tão pequenas que seus donos não podiam voar.
Jolinck também deu a senha: "Essas aves em particular têm um estômago tão grande que pode fornecer uma refeição para dois homens, e é a parte mais deliciosa da ave", escreveu.
Embora a caça e a matança indiscriminada tivesse tido seu impacto, foi a invasão da ilha por espécies como ratos e porcos que condenou o dodô. Os ovos postos no chão e os filhotes viraram forragem para os invasores. Em 1680, o último dodô havia morrido. Só o que restou deles foram espécimes comidos de traça em museus -o mais famoso deles, o dodô de Oxford, ficou tão decomposto que teve de ser queimado.
Depois que o último dodô vivo foi avistado, a espécie virou uma criatura mítica para viajantes e marinheiros. No século 19, alguns acadêmicos chegaram a duvidar que ele tivesse existido, acreditando que os espécimes mal-preservados eram fraudes elaboradas.
De fato, todos esses espécimes foram montados a partir de esqueletos incompletos de vários indivíduos diferentes. Tentar adivinhar como era o dodô verdadeiro foi uma luta.
Um problema era o peso. Muitas pinturas antigas o pintavam como uma criatura obesa, que mal podia se sustentar. Mas pelo menos uma pintura holandesa retrata o dodô como uma criatura magra. Aves mantidas em cativeiro poderiam ter sido superalimentadas, possível razão pela qual eles tendiam a parecer mais rechonchudos.
As dúvidas sobre a existência do dodô foram finalmente dissipadas em 1865, com a descoberta de ossos de 300 aves que morreram antes da chegada dos europeus. A escavação, infelizmente, não foi conduzida de maneira científica, aumentando a confusão sobre a anatomia do bicho.
Em 1940, o sítio foi aterrado por militares britânicos com entulho. Recentemente, Hume e seus colegas decidiram olhar debaixo dos escombros -e, em dezembro do ano passado, anunciaram a descoberta de uma camada com milhares de ossos datando de 10 mil anos.
Uma esperança dos cientistas é encontrar o primeiro esqueleto articulado de um dodô. Isso permitirá saber como ele se mexia, se andava ou saltava.
Os ossos estão tão preservados que os pesquisadores também esperam obter DNA -que poderá dar informações sobre a origem do pássaro. Um primeiro estudo, com um pouco de DNA do dodô de Oxford, revelou que o dodô era parente da solitária, uma outra ave extinta, que viveu na vizinha ilha de Rodrigues, parte da cadeia de ilhas de Mascarenhas. O DNA também mostrou que o dodô era um pombo gigante.
O aspecto estranho do dodô -simbolizado por seu enorme bico- foi resultado de estranhas forças de seleção natural que ocorrem em ilhas.
Quando animais grandes ficam ilhados, eles tendem a virar anões, enquanto animais menores como aves tendem a crescer para ganhar peso e agüentar períodos sem comida. Foi precisamente o que aconteceu com o dodô: ele rapidamente perdeu seus músculos de vôo (custosos demais em termos energéticos) porque não havia predadores dos quais escapar.
Isso, claro, até 1598.


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