São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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PERISCÓPIO

Recriação de espécies extintas

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Ousado sonho é recriar, pela engenharia genética, espécies extintas, como mamutes e até mesmo dinossauros.
Essa idéia ganhou novo alento depois que Russell Higushi e colaboradores publicaram, na revista britânica "Nature" (312,322), trabalho sobre isolamento do material genético (DNA) de um exemplar de "quagga", curioso misto de cavalo e zebra cujo último exemplar morreu em 1883.
Sabe-se, desde o começo do século, que nos fósseis se encontram restos de matéria orgânica preservada.
Grande impulso a esses estudos deu J. Loewenstein, que desenvolveu e aplicou delicadas técnicas imunológicas para identificar proteínas de animais extintos, assim como estabelecer seu parentesco e sua idade.
A análise da estrutura das proteínas e do DNA tem, aliás, prestado grande serviço à paleontologia e à antropologia, pela identificação do grau de proximidade entre espécies e gêneros -por exemplo, o homem e seus antropóides.
Higushi partiu de um pedacinho de músculo encontrado em pele, conservada em solução salina, de um "quagga" morto há cerca de 140 anos.
Extraiu mínima quantidade de DNA, que multiplicou por meio de engenharia genética: primeiro, implantou o DNA num vírus que infecta bactérias.
Depois, introduziu o vírus no bacilo coli, ao qual se incorporou o DNA do "quagga".
Com sua multiplicação, o bacilo também multiplica o DNA do "quagga", facilmente reconhecível porque a ele se juntou um isótopo radiativo.
Está, pois, Higushi de posse de pelo menos parte do DNA de um"quagga".
Seu objetivo é obter maior quantidade de músculo para ter DNA mais abundante e completo, que contenha todo o material genético próprio de uma célula desse animal extinto.
A partir daí, começa o sonho. Inserir o DNA do "quagga" no óvulo fecundado de uma zebra bem próxima do "quagga" e retirar o núcleo, para afastar o material genético da zebra.
Assim, o óvulo da zebra ficará só com o DNA do "quagga", o qual deverá comandar o seu desenvolvimento, até que esse óvulo se transforme em filhote de "quagga".
Sonho, sim, mas, em ciência, os sonhos muitas vezes se transformam em realidade mais depressa do que imaginamos. Para lembrar o velho Kekulé: "Se aprenderes a sonhar, talvez descubras a realidade".
Bem mais ousado é o sonho de produzir um dinossauro vivo. Primeiro, a necessidade de obter DNA de um desses fósseis. Segundo, não temos a menor indicação sobre o óvulo que poderia receber esse DNA. Terceiro, mesmo que dispuséssemos desse óvulo, surgiria o problema de como incubá-lo. E se conseguíssemos tudo isso, e obtivéssemos o dinossaurinho vivo, apareceria o mais grave dos problemas: o que fazer com ele?
Tudo isso aconteceu em decorrência dos progressos da inseminação artificial, do implante e da transferência de embriões, da fertilização em tubo de ensaio e da conservação, em temperaturas muito abaixo de zero, de células germinativas e embriões em início de formação.
Particular interesse desperta a possibilidade de conservar sêmen, óvulos e embriões, em início de formação, congelados muitos graus abaixo de zero. Teremos, no futuro, zôos congelados, nos quais a parte excedente da população seria guardada no laboratório como células reprodutoras e embriões congelados.


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