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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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INFORMÁTICA

Sistema usa óculos 3D e robô para simular operação comum em tratamento de doenças como câncer e leucemia

Realidade virtual imita retirada de medula

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O médico dá uma boa olhada no paciente, tateia sua pelve em busca do osso correto e, depois de localizá-lo, faz uma punção para retirar uma amostra da medula óssea. Dá para ver e sentir a operação acontecer, tudo muito real -se não fosse pelo detalhe de que osso, mão e seringa são todos ilusões de realidade virtual.
O truque acima, criado por pesquisadores da USP, já foi testado por médicos com bons resultados e pode se tornar um aliado valioso para treinar a retirada da medula, uma operação que faz parte do tratamento de diversas doenças graves. "A idéia desse sistema é que, no futuro, você não tenha mais de estudar com cobaia ou cadáver", resume a especialista em computação Liliane dos Santos Machado, 31.
A pesquisadora, hoje na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), levou três anos e meio desenvolvendo o projeto de realidade virtual durante seu doutorado no Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP.
"Sempre tive vontade de usar a realidade virtual para trabalhar com medicina", conta Machado. A oportunidade veio de uma parceria com o Hospital das Clínicas da universidade. "A gente partiu dos problemas do pessoal do Instituto da Criança e tentou criar algo viável, mas que fosse inédito e tivesse relevância", afirma.
"O que a gente criou é um espaço cúbico que é um tipo de mundo 3D táctil", explica a pesquisadora. O programa que faz essa pequena mágica acontecer funciona num computador pessoal comum, mas dois dispositivos adicionais são necessários para que a ilusão dê certo: óculos para enxergar a tela em três dimensões e um robozinho (também chamado de dispositivo háptico) que transmite ao usuário a sensação de tato (veja o quadro à esq.).
Parece simples, mas o sistema é mais versátil do que seria de supor à primeira vista. Para começar, existem três módulos de funcionamento. No primeiro, para estudar a anatomia da crista ilíaca (área do osso ilíaco de onde a medula é retirada), a pessoa apenas vê a estrutura óssea através de um quadril translúcido.

Dedo virtual
No módulo seguinte, a pessoa passa a interagir com a pelve virtual com um "dedo" -o equivalente à apalpação que um médico precisaria fazer num paciente de verdade para localizar o osso. Finalmente, o "dedo" se transforma em "seringa", que completa a operação extraindo a medula.
Para adicionar realismo a cada passo, os pesquisadores, além dos dados sobre anatomia humana, tiveram de criar praticamente do nada programas capazes de fazer com que o robozinho simulasse a aceleração do dedo-agulha, a resistência e a dureza das camadas de pele, músculos e osso.
"A gente precisava simular as propriedades do material de forma realista. Mas quem tem esses dados? Foi aí que nós chamamos um oncologista [cuja área exige familiaridade com o procedimento real] para calibrar o sistema", explica a pesquisadora da UFPB. "A idéia não é imitar o treinamento, é imitar a realidade." Hoje, os estudantes de medicina treinam para o procedimento usando porquinhos, cuja anatomia é obviamente bem distinta da humana.
Ainda é cedo, contudo, para os suínos comemorarem: Machado diz que o simulador precisa passar por mais testes na comunidade médica. Mesmo assim, a ferramenta pode se tornar valiosa para treinar uma operação que hoje faz parte do tratamento de pessoas com câncer, por exemplo. Antes de uma radioterapia, que destrói boa parte das células do sangue, esses pacientes podem guardar a medula para substituí-las.
Além disso, uma das principais fontes das promissoras células-tronco é a medula óssea. Essas células podem se transformar nos mais diversos tecidos do organismo e regenerar órgãos.
O preço estimado do sistema todo, R$ 50 mil, nem é tão alto quando comparado às verdadeiras fortunas gastas para adquirir a maioria dos aparelhos médicos modernos, diz Machado: "Você precisa de uma placa de vídeo especial por causa dos óculos 3D e do robozinho, que é o mais caro. Nós não patenteamos o sistema, queremos que fique de domínio público mesmo".
O trabalho contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do governo federal).



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