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INFORMÁTICA
Sistema usa óculos 3D e robô para simular operação comum em tratamento de doenças como câncer e leucemia
Realidade virtual imita retirada de medula
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O médico dá uma boa olhada no
paciente, tateia sua pelve em busca do osso correto e, depois de localizá-lo, faz uma punção para retirar uma amostra da medula óssea. Dá para ver e sentir a operação acontecer, tudo muito real
-se não fosse pelo detalhe de que
osso, mão e seringa são todos ilusões de realidade virtual.
O truque acima, criado por pesquisadores da USP, já foi testado
por médicos com bons resultados
e pode se tornar um aliado valioso
para treinar a retirada da medula,
uma operação que faz parte do
tratamento de diversas doenças
graves. "A idéia desse sistema é
que, no futuro, você não tenha
mais de estudar com cobaia ou
cadáver", resume a especialista
em computação Liliane dos Santos Machado, 31.
A pesquisadora, hoje na UFPB
(Universidade Federal da Paraíba), levou três anos e meio desenvolvendo o projeto de realidade
virtual durante seu doutorado no
Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP.
"Sempre tive vontade de usar a
realidade virtual para trabalhar
com medicina", conta Machado.
A oportunidade veio de uma parceria com o Hospital das Clínicas
da universidade. "A gente partiu
dos problemas do pessoal do Instituto da Criança e tentou criar algo viável, mas que fosse inédito e
tivesse relevância", afirma.
"O que a gente criou é um espaço cúbico que é um tipo de mundo 3D táctil", explica a pesquisadora. O programa que faz essa pequena mágica acontecer funciona
num computador pessoal comum, mas dois dispositivos adicionais são necessários para que a
ilusão dê certo: óculos para enxergar a tela em três dimensões e um
robozinho (também chamado de
dispositivo háptico) que transmite ao usuário a sensação de tato
(veja o quadro à esq.).
Parece simples, mas o sistema é
mais versátil do que seria de supor à primeira vista. Para começar, existem três módulos de funcionamento. No primeiro, para
estudar a anatomia da crista ilíaca
(área do osso ilíaco de onde a medula é retirada), a pessoa apenas
vê a estrutura óssea através de um
quadril translúcido.
Dedo virtual
No módulo seguinte, a pessoa
passa a interagir com a pelve virtual com um "dedo" -o equivalente à apalpação que um médico
precisaria fazer num paciente de
verdade para localizar o osso. Finalmente, o "dedo" se transforma
em "seringa", que completa a
operação extraindo a medula.
Para adicionar realismo a cada
passo, os pesquisadores, além dos
dados sobre anatomia humana,
tiveram de criar praticamente do
nada programas capazes de fazer
com que o robozinho simulasse a
aceleração do dedo-agulha, a resistência e a dureza das camadas
de pele, músculos e osso.
"A gente precisava simular as
propriedades do material de forma realista. Mas quem tem esses
dados? Foi aí que nós chamamos
um oncologista [cuja área exige
familiaridade com o procedimento real] para calibrar o sistema",
explica a pesquisadora da UFPB.
"A idéia não é imitar o treinamento, é imitar a realidade." Hoje, os
estudantes de medicina treinam
para o procedimento usando porquinhos, cuja anatomia é obviamente bem distinta da humana.
Ainda é cedo, contudo, para os
suínos comemorarem: Machado
diz que o simulador precisa passar por mais testes na comunidade médica. Mesmo assim, a ferramenta pode se tornar valiosa para
treinar uma operação que hoje faz
parte do tratamento de pessoas
com câncer, por exemplo. Antes
de uma radioterapia, que destrói
boa parte das células do sangue,
esses pacientes podem guardar a
medula para substituí-las.
Além disso, uma das principais
fontes das promissoras células-tronco é a medula óssea. Essas células podem se transformar nos
mais diversos tecidos do organismo e regenerar órgãos.
O preço estimado do sistema todo, R$ 50 mil, nem é tão alto
quando comparado às verdadeiras fortunas gastas para adquirir a
maioria dos aparelhos médicos
modernos, diz Machado: "Você
precisa de uma placa de vídeo especial por causa dos óculos 3D e
do robozinho, que é o mais caro.
Nós não patenteamos o sistema,
queremos que fique de domínio
público mesmo".
O trabalho contou com apoio
da Fapesp (Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Finep (Financiadora de
Estudos e Projetos, órgão do governo federal).
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