São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

Próximo Texto | Índice

GENÉTICA

Pesquisadora da USP fez análise com o DNA de fêmeas de roedores que dedicavam menos cuidado à própria prole

Grupo de genes denuncia mãe desnaturada

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A diferença entre uma mãe que cuida bem de seus filhos e outra "desnaturada" pode estar também nos genes, e não apenas na experiência de vida dessa mãe. É o que revela o trabalho de uma pesquisadora da USP -pelo menos no que se refere aos camundongos, mais especificamente a uma população determinada desses conhecidos bichos de laboratório.
A nova pesquisa, feita por Andréa Cristina Peripato, do Instituto de Biociências da USP, e seus colegas no Brasil e nos EUA, é mais uma prova de que existe também um ambiente entre os próprios genes. Não basta ter um gene específico para que ele funcione -é preciso que outros genes estejam presentes para que a interação entre eles produza um determinado resultado final.
O estudo procurou mostrar as bases genéticas da diferença de comportamento de fêmeas de camundongo que cuidavam muito bem dos seus filhotes e de outras que mal ligavam para a prole.
O cuidado com os filhotes, ou "desempenho maternal", revelou ser algo influenciado por vários genes ao mesmo tempo. Esses genes também interagem entre eles, tornando ainda mais complexa a tarefa de associar o material genético de um ser vivo (as partes do seu genoma) com os seus comportamentos.
"Características complexas, como o cuidado materno ou a obesidade, não são obra de um gene apenas, mas de vários, associados", diz Peripato, 30, que fez ontem palestra sobre o tema na USP.
A pesquisa poderá ser útil no futuro para estudos semelhantes com animais em risco de extinção, notadamente aqueles cuja reprodução em cativeiro é difícil por obra de mães "desnaturadas", como costuma acontecer por exemplo entre os pandas -além de, quem sabe, ajudar a dar pistas sobre o comportamento humano.

Gene disso, gene daquilo
Os genes -isto é, as unidades do código genético/hereditário, transmitidas dos pais para os filhos- contêm só o potencial de um ser vivo. As interações com o ambiente "ligam" e "desligam" os genes, e podem até fazer tornar-se obesa uma pessoa cujos genes indicariam que ela seria magra.
Tornou-se popular nos meios de comunicação, e mesmo entre cientistas, achar que haveria um gene específico ligado a um comportamento -o "gene da agressão", ou o "gene da homossexualidade", e por aí vai.
Pesquisas como a de Peripato estão mostrando que, se de um lado pode haver uma explicação nos genes para um comportamento, essa explicação é extremamente complexa.
O estudo, que deverá ser publicado em novembro na revista científica especializada "Genetics" (www.genetics.org), resultou da observação do comportamento de fêmeas de camundongo no laboratório nos EUA onde Peripato fez pesquisa para seu doutorado "sanduíche" -em parte no exterior, como é a praxe da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)-, orientada por Sergio Russo Matioli, do Instituto de Biociências da USP.
Certas fêmeas de camundongo não mostravam cuidados maternos com os filhotes. Elas não se importavam em construir ninhos e não agrupavam seus filhotes, deixando os coitados espalhados pela gaiola. Também não comiam a placenta nem lambiam filhotes para limpá-los. Elas nem mesmo ligavam se alguém fosse mexer com a prole.
As "mães boas", como Andréa as definiu, tentavam morder a mão dos pesquisadores e podiam até comer o cadáver dos filhotes mortos devido à sua negligência.
O laboratório norte-americano, na Universidade Washington, em Saint Louis, Missouri, chefiado por James Cheverud, estava mais interessado em estudar a genética envolvida no tamanho dos filhotes -que depende diretamente da mãe, cujos cuidados são fundamentais para a sobrevivência da prole.
Peripato optou por pesquisar a relação entre vários genes candidatos, isto é, já conhecidos e cujo papel estaria relacionado ao cuidado materno.
"Cada gene tem uma parcela de efeito", diz ela. Foram cinco os genes básicos estudados. A interação entre eles mostrou ser bem mais complicada do que se imaginava, embora os resultados fossem visíveis. Na segunda geração de camundongos, 31 das 241 fêmeas não eram "mães boas", mas sim "desnaturadas".


Próximo Texto: Após falha na França, EUA decidem continuar testes com geneterepia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.