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GENÉTICA
Pesquisadora da USP fez análise com o DNA de fêmeas de roedores que dedicavam menos cuidado à própria prole
Grupo de genes denuncia mãe desnaturada
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A diferença entre uma mãe que
cuida bem de seus filhos e outra
"desnaturada" pode estar também nos genes, e não apenas na
experiência de vida dessa mãe. É o
que revela o trabalho de uma pesquisadora da USP -pelo menos
no que se refere aos camundongos, mais especificamente a uma
população determinada desses
conhecidos bichos de laboratório.
A nova pesquisa, feita por Andréa Cristina Peripato, do Instituto de Biociências da USP, e seus
colegas no Brasil e nos EUA, é
mais uma prova de que existe
também um ambiente entre os
próprios genes. Não basta ter um
gene específico para que ele funcione -é preciso que outros genes estejam presentes para que a
interação entre eles produza um
determinado resultado final.
O estudo procurou mostrar as
bases genéticas da diferença de
comportamento de fêmeas de camundongo que cuidavam muito
bem dos seus filhotes e de outras
que mal ligavam para a prole.
O cuidado com os filhotes, ou
"desempenho maternal", revelou
ser algo influenciado por vários
genes ao mesmo tempo. Esses genes também interagem entre eles,
tornando ainda mais complexa a
tarefa de associar o material genético de um ser vivo (as partes do
seu genoma) com os seus comportamentos.
"Características complexas, como o cuidado materno ou a obesidade, não são obra de um gene
apenas, mas de vários, associados", diz Peripato, 30, que fez ontem palestra sobre o tema na USP.
A pesquisa poderá ser útil no futuro para estudos semelhantes
com animais em risco de extinção, notadamente aqueles cuja reprodução em cativeiro é difícil
por obra de mães "desnaturadas",
como costuma acontecer por
exemplo entre os pandas -além
de, quem sabe, ajudar a dar pistas
sobre o comportamento humano.
Gene disso, gene daquilo
Os genes -isto é, as unidades
do código genético/hereditário,
transmitidas dos pais para os filhos- contêm só o potencial de
um ser vivo. As interações com o
ambiente "ligam" e "desligam" os
genes, e podem até fazer tornar-se
obesa uma pessoa cujos genes indicariam que ela seria magra.
Tornou-se popular nos meios
de comunicação, e mesmo entre
cientistas, achar que haveria um
gene específico ligado a um comportamento -o "gene da agressão", ou o "gene da homossexualidade", e por aí vai.
Pesquisas como a de Peripato
estão mostrando que, se de um lado pode haver uma explicação
nos genes para um comportamento, essa explicação é extremamente complexa.
O estudo, que deverá ser publicado em novembro na revista
científica especializada "Genetics" (www.genetics.org), resultou da observação do comportamento de fêmeas de camundongo
no laboratório nos EUA onde Peripato fez pesquisa para seu doutorado "sanduíche" -em parte
no exterior, como é a praxe da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo)-, orientada por Sergio Russo
Matioli, do Instituto de Biociências da USP.
Certas fêmeas de camundongo
não mostravam cuidados maternos com os filhotes. Elas não se
importavam em construir ninhos
e não agrupavam seus filhotes,
deixando os coitados espalhados
pela gaiola. Também não comiam
a placenta nem lambiam filhotes
para limpá-los. Elas nem mesmo
ligavam se alguém fosse mexer
com a prole.
As "mães boas", como Andréa
as definiu, tentavam morder a
mão dos pesquisadores e podiam
até comer o cadáver dos filhotes
mortos devido à sua negligência.
O laboratório norte-americano,
na Universidade Washington, em
Saint Louis, Missouri, chefiado
por James Cheverud, estava mais
interessado em estudar a genética
envolvida no tamanho dos filhotes -que depende diretamente
da mãe, cujos cuidados são fundamentais para a sobrevivência
da prole.
Peripato optou por pesquisar a
relação entre vários genes candidatos, isto é, já conhecidos e cujo
papel estaria relacionado ao cuidado materno.
"Cada gene tem uma parcela de
efeito", diz ela. Foram cinco os genes básicos estudados. A interação entre eles mostrou ser bem
mais complicada do que se imaginava, embora os resultados fossem visíveis. Na segunda geração
de camundongos, 31 das 241 fêmeas não eram "mães boas", mas
sim "desnaturadas".
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