São Paulo, quinta, 11 de dezembro de 1997.



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CIÊNCIA
Físicos anunciam teletransporte de matéria

MAURÍCIO TUFFANI
Editor-assistente de Ciência

Cientistas da Áustria anunciaram a comprovação experimental de que é possível fazer um corpo ser "teletransportado", isto é, desaparecer em um local e aparecer em outro, segundo estudo publicado na edição de hoje da revista científica britânica "Nature".
O desenvolvimento de técnicas e de estudos a partir dessa experiência poderá permitir no futuro que corpos mais complexos, como átomos, moléculas e até microrganismos, sejam desintegrados e recompostos em outro local, segundo Anton Zeilinger, um dos autores do estudo.
"Mas estamos ainda muito longe de podermos transferir corpos complexos como seres humanos", disse Zeilinger. "Isso, por enquanto, só será possível em ficção científica", afirmou.
Os seis pesquisadores do Instituto de Física Experimental da Universidade de Innsbruck conseguiram reproduzir à distância um fóton com as mesmas características de outro, que Zeilinger chamou de capitão Kirk, em alusão ao personagem do filme e série de televisão "Jornada nas Estrelas".
Princípio da incerteza
O teletransporte foi considerado impossível durante décadas devido ao princípio da incerteza, formulado em 1927 pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976).
Esse princípio estabelece a impossibilidade de se conhecer com precisão a posição e o estado quântico de uma partícula qualquer, segundo George Matsas, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Também chamado de Princípio da Indeterminação, uma das consequências da descoberta de Heisenberg é que um observador, por meio da medição, sempre altera o estado quântico de uma partícula, isto é, suas características físicas definidas em termos de posição e energia.
Desse modo, nunca seria possível, segundo esse princípio, reproduzir uma partícula com as mesmas características de outra, uma vez que não haveria como assegurar que ambas teriam suas propriedades modificadas pela simples interferência da medição em laboratório.
Possibilidade teórica
Ironicamente, o estudo divulgado ontem se baseou em um trabalho formulado para criticar a validade da mecânica quântica, apresentado em 1935 por Albert Einstein (1879-1955).
O físico alemão, criador da teoria da relatividade, nunca aceitou as incertezas estabelecidas pela mecânica quântica.
Com os físicos Boris Podolsky e Nathan Rosen, Einstein demonstrou como as partículas poderiam ser agrupadas em pares, dentro dos quais uma delas poderia sempre, mesmo à distância, reproduzir o estado quântico da outra.
Agrupadas desse modo, as duas partículas formam o chamado "par de Einstein-Podolsky-Rosen".
Utilizando esse conceito, em 1993, Charles Bennet, da Divisão de Pesquisa da IBM, nos Estados Unidos, e quatro pesquisadores de outros países encontraram uma brecha na mecânica quântica para a possibilidade teórica do teletransporte.
Em um estudo publicado na revista "Physical Review Letters", em 29 de março de 1993, Bennet e seus colaboradores demonstraram matematicamente que uma partícula pode ser reproduzida sem a necessidade de verificar suas características físicas.
"A partir desse trabalho, era de se esperar que a qualquer momento surgisse alguma comprovação experimental do teletransporte", afirmou Matsas.
No dia 16 de outubro deste ano, Dik Bouwmeester, Jian-Wei Pan, Klaus Mattle, Manfred Eibi, Harald Weinfurter e Anton Zeilinger, da Universidade de Innsbruck, encaminharam à "Nature" o estudo relatando sua experiência de teletransporte de um fóton.



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