São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006 |
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Ciência em Dia Brincando de astronauta
MARCELO LEITE
Não parece razoável, porém, que o panamá original -um objeto de valor histórico- vá para o espaço a bordo da nave Soyuz. Por outro lado, seria uma pena se ao menos uma réplica não fosse levada. A imagem do rapaz de Bauru na Estação Espacial Internacional com o chapéu-ícone do primeiro aviador poderia ter impacto positivo sobre mentes jovens, sugerindo-lhes que tudo é possível e está por realizar (não nascer numa favela ajuda, mas isso é outra história). Algum pedagogo poderá argumentar que um suicida não é lá um bom exemplo a ser imitado. Jornalistas que seguem o registro histórico como cães lembrarão que o primeiro vôo foi realizado pelos irmãos Wright. Os cabeças-de-planilha, como diz Luís Nassif, vão ponderar que cerca de US$ 10 milhões (a Agência Espacial Brasileira não divulga o preço exato) é dinheiro demais para mandar um chapéu ao espaço. Só os cabeças-de-planilha estarão com a razão, por difícil que seja admitir. A quantia a ser pulverizada numa única aventura provinciana é comparável ao custo de alguns dos mais festejados programas científicos brasileiros, como o Genoma Xylella (que pelo menos treinou uma legião de biólogos moleculares). O benefício científico da missão é no mínimo duvidoso. Nem é certeza que os experimentos se realizem, em razão da falta de tempo para prepará-los. A pressa é inimiga da perfeição -e, neste caso, amiga da eleição. Pontes disse ao repórter Salvador Nogueira que iria voar só em outubro e que não sabe por que o vôo foi antecipado. Parece que está levando um camisa da seleção brasileira, ou fitinhas do Bonfim (credo). Vai bater papo, em órbita, com o presidente-candidato. Um papo do além, sem dúvida. Lula terá nova oportunidade para sacar da frase "pela primeira vez neste país". Concluirá talvez, com sua lógica peculiar, que foi preciso o Brasil ter um ex-torneiro mecânico na Presidência para que um brasileiro chegasse ao espaço. Talvez se lembre de que Santos Dumont voou em Paris e que seu pai era cafeicultor quando ainda havia escravos no Brasil. Melhor faria o país se dirigisse esse balão de ensaio para a busca de auto-suficiência em satélites de sensoriamento remoto. Se há um campo de pesquisa em que o Brasil tem os pés (e os olhos) no chão, é esse. Fique bem claro que não se trata de atacar a pessoa de Pontes, que parece um bom sujeito. Ele é digno de toda a admiração, como qualquer um disposto a sentar numa geringonça como a Soyuz e fazê-la subir aos céus. Como se diz "godspeed" em português? Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos"Amazônia, Terra com Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br Texto Anterior: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: Sobre as cachoeiras e os circuitos elétricos Índice |
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