São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2004

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TECNOLOGIA

Material criado em forno de microondas armazena 250 vezes mais dados que um dispositivo convencional

Ufscar "turbina" memória de computador

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O nome é bem mais difícil de ser memorizado do que o do silício, mas há uma boa chance de que o titanato de bário e chumbo se torne quase tão famoso quando o assunto são computadores. Cientistas da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) usaram essa molécula para projetar chips que podem armazenar até 250 vezes mais memória no mesmo espaço.
O processo de fabricação da substância já rendeu o registro de uma patente e o interesse de uma grande empresa do ramo eletrônico, afirma o químico Elson Longo, 62, do Departamento de Química da Ufscar. "Só não sei se eles vão querer fabricar o chip ou simplesmente comprar a patente para que outros não o fabriquem", brinca o pesquisador, que não revela o nome da empresa.
Um dos motivos que levou Longo e seus colegas a escolherem o titanato de bário e chumbo como ingrediente central de seu novo chip é a chamada constante dielétrica, uma medida da dificuldade enfrentada por elétrons (partículas que formam a corrente elétrica) para atravessar um material.
Para um mecanismo armazenador, interessa que a constante esteja lá nas alturas, porque os elétrons ficam presos nele com grande eficiência, e assim a informação contida neles é guardada em segurança.
O óxido e o nitreto de silício, hoje usados para essa função, têm constante dielétrica de apenas 7. Outros pesquisadores, com o titanato, já tinham conseguido constantes em torno de 700, mas usando métodos complicados e caros. Longo e seus colegas conseguiram elevar o número para 1.800, 250 vezes mais que o dos compostos de silício, com a ajuda de uma solução caseira -literalmente.
O problema, explica o químico, é que os métodos antes usados para construir o filme de titanato criavam uma estrutura desorganizada na molécula. "Era como se você construísse um prédio de dez andares, mas só terminasse três deles." E a capacidade de reter os elétrons (e a informação) depende diretamente dos vãos atômicos bem-organizados no filme.
Dois procedimentos simples e baratos, feitos em fornos, resolveram esse problema. Em primeiro lugar, a equipe mistura titânio, bário e chumbo com ácido cítrico (substância presente em qualquer suco de laranja ou limão).
Essa primeira mistura forma um polímero (tipo de molécula com várias unidades iguais repetidas) cuja organização já está a meio caminho andado da necessária: os átomos de oxigênio, doados pelo ácido, já estão todos no lugar certo, ou seja, em volta do átomo de titânio.
Uma passagem de quatro horas num forno normal elimina os resíduos orgânicos do ácido cítrico. Finalmente, dez minutos em qualquer microondas caseiro arrematam o processo: "Descobrimos que as microondas têm o poder de orientar o material [para aumentar a constante dielétrica]", explica Longo. "O método é totalmente original."
De quebra, a equipe acoplou outro novo material ao protótipo de chip. Trata-se do niquelato de lantânio, que entraria no lugar da platina, hoje usada como material condutor no "sanduíche" de alta tecnologia que forma a estrutura dos chips. A vantagem é que o novo eletrodo tem estrutura compatível com a do titanato, deixando o funcionamento do sistema todo bem mais suave.
Para Longo, um chip com os novos materiais tem possibilidade de transformar um disco rígido que hoje armazena só um gigabyte numa biblioteca de 250 gigabytes. O que ele não pode fazer, no entanto, é aumentar a velocidade com que um computador processa as informações.
"A velocidade de processamento depende da condução", afirma o pesquisador, papel que não cabe ao óxido de silício ou a seu possível substituto, o titanato.
O trabalho foi divulgado pelo jornal "Ciência e Tecnologia", de São Carlos, e pela revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financia o estudo.


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