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Savanizada, Amazônia aquece o Pacífico
Modelo do Inpe apresentado em simpósio no Rio prevê que colapso da floresta deixará El Niño até 50% mais intenso
Conversão da selva tropical em cerrado é um dos efeitos previstos do aquecimento
global, e pode transformá-la de vítima em vilã do clima
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A floresta amazônica não será apenas vítima do aquecimento global: ela também pode
virar uma de suas vilãs. Um novo modelo meteorológico,
apresentado ontem no Rio de
Janeiro, mostra que a selva tropical é uma espécie de controle
remoto do oceano Pacífico. Impactada, ela tende a desequilibrar todo o sistema climático
daquela região.
"Os modelos que acoplam
oceano, atmosfera e vegetação
que nós rodamos mostram que
existe uma influência da floresta nas águas do Pacífico", disse
à Folha o meteorologista Paulo
Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Ele apresentou os resultados
de seus estudos no 1º Simpósio
Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, organizado
pela Academia Brasileira de
Ciências, pelo Inpe e pelo IGBP
(Programa Internacional da
Geosfera-Biosfera).
Na verdade, o que os computadores do Inpe estão calculando é que o problema não é a floresta -e sim a falta dela.
No caso de uma "savanização" da região amazônica (o
que pode ocorrer num cenário
de aquecimento global, segundo outros modelos do próprio
Inpe, que levam em conta as
mudanças previstas pelo IPCC,
o Painel Intergovernamental
sobre Mudança Climática), a
intensidade do fenômeno El
Niño, em algumas condições,
poderá aumentar em até 50%.
Pesquisa em família
O fenômeno da savanização é
uma previsão já famosa de outro pesquisador do Inpe: Carlos
Afonso Nobre, 56, irmão mais
velho de Paulo, 50, e Antônio,
47 (cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Segundo essa teoria, o
aquecimento global (e o desmatamento) podem converter
grande parte da floresta em
uma vegetação semelhante ao
cerrado, o que seria uma tragédia para a biodiversidade, mas
também para as chuvas que se
formam por causa da mata.
"A Amazônia ajuda na regulagem da atmosfera do Pacífico.
Sem a floresta, ocorrerá uma
interferência nesse equilíbrio.
O que conseguimos prever é
que, sem a Amazônia, haverá
mais chuva naquela região", explica o pesquisador.
Normalmente, lembra Nobre, o Pacífico, próximo do litoral da América do Sul, já sofre
com o aquecimento anormal de
suas águas, o fenômeno El Niño. Ele é um ciclo natural, que
ocorre em períodos menores
que uma década.
Esse fenômeno ocorre quando os ventos alísios, que sopram de leste para o oeste sobre o Pacífico, diminuem de intensidade ou mudam de direção. Eles deixam de empurrar a
água quente, que permanece
próxima do litoral sul-americano. Portanto, mais nuvens se
formam por causa do calor que
sai do mar.
O El Niño é famoso por
enlouquecer o clima em todo o
planeta. Ele causa secas na
Amazônia e no Nordeste, e chuvas intensas sobre o litoral do
Pacífico, do Peru à Califórnia.
Por razões que os cientistas
ainda não sabem explicar direito, a Amazônia ajuda a controlar o calor que chega até a costa
sul-americana, influindo, portanto, no regime de ventos.
Fora de hora
A savanização da floresta tem
o potencial de atrapalhar essa
circulação: ela aumenta o calor,
enfraquecendo os ventos alísios, o que causa condições parecidas com as do El Niño: a
água superficial do Pacífico tropical fica mais quente, já que
não há ventos para empurrá-la
para longe e deixar aflorar a
água fria trazida por correntes
marítimas submarinas do sul
do continente.
Isso pode aumentar a intensidade do fenômeno nos anos
que ele acontece. Mas também
-e sobre isso os pesquisadores
dizem ter apenas um palpite,
por enquanto- pode disparar
um El Niño fora de época.
"Existe essa ligação remota
identificada agora. E, como o
Pacífico interfere muito no clima como um todo, a partir de lá
muitos processos poderão ser
alterados", disse o pesquisador.
Além da força do processo,
ele também pode ser freqüente.
"A ausência da floresta, nesse
caso, não vai ter conseqüências
só daqui a cem anos. Ela vai interagir com os ciclos interanuais do clima", atesta Nobre.
Para o meteorologista do Inpe, essa nova ligação climática
protagonizada agora pela Amazônia não deixa dúvida. "A
questão importante aqui é que
mantendo a floresta em pé teremos a possibilidade de manter o clima do planeta também". E, segundo ele, não existe muitas outras opções.
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