São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2001

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BIOLOGIA

Cientistas "desligaram" receptores de camundongos, evitando que eles ficassem famintos após consumir a planta

Maconha não dá fome em roedor alterado

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os usuários de maconha chamam de "larica" a fome que sentem depois de fumarem a droga. Pesquisadores conseguiram eliminar a "larica" em camundongos, vinculando pela primeira vez o efeito ao complexo sistema de regulagem de peso. O mecanismo envolve uma "maconha" natural do organismo e uma substância contrária, de redução do apetite.
O efeito da maconha, planta de nome científico Cannabis sativa, vem de uma substância ativa chamada THC (tetrahidrocanabinol). Organismos como o do camundongo e o do homem têm substâncias naturais com ação semelhante, as endocanabinóides -que estimulam o apetite.
Cientistas que estudam a regulação do peso corporal analisam um hormônio com efeito oposto, a leptina. Ela é produzida em tecido adiposo (gordura) e afeta uma região do cérebro vinculada ao controle do peso, o hipotálamo.
O novo estudo, publicado hoje na revista "Nature" (www.nature.com), foi feito por George Kunos, da Faculdade Médica de Virgínia (EUA), e outros dez pesquisadores de Itália, EUA e Japão. O grupo demonstrou que endocanabinóides e leptina participam do mesmo sistema regulador.
Eles produziram camundongos modificados geneticamente para não terem no cérebro os pontos "receptores" de endocanabinóides -ou seja, os animais ficaram insensíveis aos efeitos da substância. E descobriram que esses animais comiam menos que seus companheiros não-modificados.
"Nós fazemos as nossas canabinóides quando necessário e usualmente em quantidades muito pequenas. Fumar maconha introduz no corpo um bocado de THC e seus efeitos são então muito mais potentes do que os efeitos das endocanabinóides. O mesmo vale para a morfina. Nós fazemos as nossas próprias endorfinas, mas a morfina e sua derivativa, a heroína, são certamente perigosas", disse à Folha Raphael Mechoulam, da Universidade Hebraica, Israel. Mechoulam comentou o estudo de Kunos na mesma edição da "Nature".
Em muitos países o THC é aprovado como uma droga médica, usada contra vômito e náusea durante quimioterapia anticâncer, para aumento do apetite em pacientes com Aids e está sendo testada contra esclerose múltipla. Os efeitos indesejáveis da Cannabis são principalmente de curto prazo -como a perda da memória imediata e a incapacidade de estimar tempo e distância.
Outro ponto da pesquisa da equipe foi demonstrar que, ao se dar leptina a ratos normais, o nível de duas endocanabinóides diminuía no seu hipotálamo.
Já em linhagens especiais, tanto de camundongos quanto de ratos obesos, deficientes em leptina, os níveis de endocanabinóides eram maiores que o normal.
Outros resultados indicam que o sistema regulatório tem mais que um caminho bioquímico. Segundo os autores, o "bloqueio simultâneo de mais que um caminho de estimulação do apetite pode ser necessário para se obter reduções clinicamente relevantes e de longo prazo na ingestão de alimento por indivíduos obesos".
"Para a maioria das funções importantes o corpo tem vários mecanismos. Assim, se algo der errado com um deles, o outro toma o lugar. Alimentar-se é certamente importante, por isso temos vários caminhos", diz Mechoulam.
"Nós temos compostos trabalhando em direções opostas ao mesmo tempo. Assim, o corpo pode fazer a sintonia fina do sistema. No entanto, se nós bloqueamos o sistema endocanabinóide em camundongos amamentando, eles param de se alimentar e podem morrer", afirma.


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