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BIOLOGIA
Cientistas "desligaram" receptores de camundongos, evitando que eles ficassem famintos após consumir a planta
Maconha não dá fome em roedor alterado
RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os usuários de maconha chamam de "larica" a fome que sentem depois de fumarem a droga.
Pesquisadores conseguiram eliminar a "larica" em camundongos, vinculando pela primeira vez
o efeito ao complexo sistema de
regulagem de peso. O mecanismo
envolve uma "maconha" natural
do organismo e uma substância
contrária, de redução do apetite.
O efeito da maconha, planta de
nome científico Cannabis sativa,
vem de uma substância ativa chamada THC (tetrahidrocanabinol). Organismos como o do camundongo e o do homem têm
substâncias naturais com ação semelhante, as endocanabinóides
-que estimulam o apetite.
Cientistas que estudam a regulação do peso corporal analisam
um hormônio com efeito oposto,
a leptina. Ela é produzida em tecido adiposo (gordura) e afeta uma
região do cérebro vinculada ao
controle do peso, o hipotálamo.
O novo estudo, publicado hoje
na revista "Nature" (www.nature.com), foi feito por George Kunos,
da Faculdade Médica de Virgínia
(EUA), e outros dez pesquisadores de Itália, EUA e Japão. O grupo demonstrou que endocanabinóides e leptina participam do
mesmo sistema regulador.
Eles produziram camundongos
modificados geneticamente para
não terem no cérebro os pontos
"receptores" de endocanabinóides -ou seja, os animais ficaram
insensíveis aos efeitos da substância. E descobriram que esses animais comiam menos que seus
companheiros não-modificados.
"Nós fazemos as nossas canabinóides quando necessário e
usualmente em quantidades muito pequenas. Fumar maconha introduz no corpo um bocado de
THC e seus efeitos são então muito mais potentes do que os efeitos
das endocanabinóides. O mesmo
vale para a morfina. Nós fazemos
as nossas próprias endorfinas,
mas a morfina e sua derivativa, a
heroína, são certamente perigosas", disse à Folha Raphael Mechoulam, da Universidade Hebraica, Israel. Mechoulam comentou o estudo de Kunos na
mesma edição da "Nature".
Em muitos países o THC é aprovado como uma droga médica,
usada contra vômito e náusea durante quimioterapia anticâncer,
para aumento do apetite em pacientes com Aids e está sendo testada contra esclerose múltipla. Os
efeitos indesejáveis da Cannabis
são principalmente de curto prazo -como a perda da memória
imediata e a incapacidade de estimar tempo e distância.
Outro ponto da pesquisa da
equipe foi demonstrar que, ao se
dar leptina a ratos normais, o nível de duas endocanabinóides diminuía no seu hipotálamo.
Já em linhagens especiais, tanto
de camundongos quanto de ratos
obesos, deficientes em leptina, os
níveis de endocanabinóides eram
maiores que o normal.
Outros resultados indicam que
o sistema regulatório tem mais
que um caminho bioquímico. Segundo os autores, o "bloqueio simultâneo de mais que um caminho de estimulação do apetite pode ser necessário para se obter reduções clinicamente relevantes e
de longo prazo na ingestão de alimento por indivíduos obesos".
"Para a maioria das funções importantes o corpo tem vários mecanismos. Assim, se algo der errado com um deles, o outro toma o
lugar. Alimentar-se é certamente
importante, por isso temos vários
caminhos", diz Mechoulam.
"Nós temos compostos trabalhando em direções opostas ao
mesmo tempo. Assim, o corpo
pode fazer a sintonia fina do sistema. No entanto, se nós bloqueamos o sistema endocanabinóide
em camundongos amamentando, eles param de se alimentar e
podem morrer", afirma.
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