São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006

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Unha revela dieta no Brasil e no mundo

Habitantes de áreas urbanas têm alimentação de origem bem diferente nos EUA e na Europa, mostra pesquisa da USP

Carbono e nitrogênio das unhas sugerem que, no país, uso de fertilizante industrial e de ração para animais é bem menos disseminado


REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem mora numa metrópole globalizada do porte de São Paulo pode até achar que tem à mão alimentos dos quatros cantos da Terra, mas não é essa a história que as unhas contam. As unhas? Sim, de acordo com pesquisadores da USP de Piracicaba. Eles usaram as unhas humanas para mostrar que cada região do planeta ainda usa principalmente alimentos da vizinhança, produzidos de maneiras diferentes, apesar da impressão de que hoje se vive num supermercado global.
A bióloga Gabriela Nardoto, que atualmente faz pós-doutorado na USP, conta que a descoberta começou com uma brincadeira em sala de aula, durante o curso ministrado por seu orientador, Luiz Martinelli. "Ele sugeriu que a gente coletasse as unhas das pessoas e visse onde cada uma se encaixaria, testando se os vegetarianos realmente não comiam carne, por exemplo", diz ela.
O teste é possível porque vegetais e animais acumulam em seu organismo diferentes formas dos elementos químicos carbono e nitrogênio, cuja proporção dá pistas importantes sobre a dieta da pessoa que os come.
As perguntas, porém, logo se ampliaram. "Hoje todo mundo está comendo produtos de supermercado, uma coisa meio padronizada. Será que a cultura das diferentes regiões ainda teriam um impacto no que é consumido? É isso que a gente tentou responder", conta Nardoto.
A pesquisadora e seus colegas, entre os quais cientistas da Universidade de Utah e do Serviço Geológico dos Estados Unidos, aproveitaram toda as oportunidades para coletar amostras de unha. No fim, chegaram a uma amostra abrangente, que incluía o Sudeste (Piracicaba, Campinas e São Paulo, principalmente), a cidade de Santarém (PA) e pequenas comunidades nos arredores, os Estados americanos de Utah e da Califórnia e vários países europeus.
As diferenças internacionais derrubaram de cara o mito do supermercado global. As unhas brasileiras tinham proporções claramente mais altas de carbono-13, variante que é típica de gramíneas tropicais, como o milho e a cana. Os americanos e europeus, que usam açúcar de beterraba, tinham mais carbono-12 nas unhas. Além disso, os brasileiros consomem mais carne de gado criado com pasto -e as pastagens daqui também são ricas em carbono-13.
O mais esquisito, contudo, foi a grande presença de nitrogênio-15 nas unhas nacionais, superando as americanas. Normalmente, a variante seria indício de alto consumo de carne. Mas come-se mais bife nos EUA do que no Brasil. "O que acontece é que aqui se usa mais adubo orgânico, rico em nitrogênio-15, ao contrário dos Estados Unidos, onde se usa como fertilizante o nitrogênio de origem mineral", diz Nardoto.
O estudo estará na edição de setembro da revista científica "American Journal of Physical Anthropology", dos EUA.


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