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BIODIVERSIDADE
Projeto Biota da Fapesp encontra moléculas com ação antibiótica em plantas do cerrado e da Amazônia
Rede de bioprospecção já pensa em patente
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Duas plantas brasileiras, uma
aparentada com o café e outra da
família do ipê-roxo, acabam de
entrar na lista das que têm potencial para render patentes à ciência
do país. A primeira pode gerar
um cosmético capaz de combater
o envelhecimento da pele, enquanto a outra pode se tornar
uma nova arma contra a malária.
As duas plantas, cujos princípios ativos foram isolados por
pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), saíram
de um grupo de cerca de 1.200 espécies vegetais nativas do cerrado
e de florestas tropicais.
"É como procurar uma agulha
num palheiro", compara a pesquisadora Vanderlan da Silva
Bolzani, do Instituto de Química
da Unesp de Araraquara (interior
de São Paulo).
Bolzani tem conhecimento de
causa: ela coordena um projeto de
bioprospecção (a busca por organismos com potencial farmacêutico ou comercial) no cerrado e na
mata atlântica do Estado de São
Paulo. O projeto integra o programa Biota-Fapesp, financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo, que busca
fazer um inventário completo da
biodiversidade paulista desde
1999 (veja quadro à esquerda).
Creme da floresta
Paradoxalmente, porém, um
dos achados da equipe veio de
uma planta hoje comum na região amazônica, fora do Estado.
Mas ela deve ter existido na mata
atlântica paulista antes da devastação causada nos últimos cinco
séculos pelos colonizadores -a
mata atlântica foi o primeiro
ecossistema brasileiro a conhecer
a devastação em massa.
Trata-se do chamado mulateiro-da-várzea (para os cientistas,
Calycophyllum spruceanum),
membro da família das rubiáceas,
que inclui o café. "Uma aluna de
doutorado, que era colombiana,
sabia que o pó feito com a casca
dessa planta era usado tradicionalmente por índios da Amazônia", explica Bolzani.
O uso tradicional pelos indígenas era, na verdade, duplo: para
combater uma doença de pele
causada por um aracnídeo e para
embelezar a pele e os cabelos
-há até a crença de que o extrato
poderia devolver a cor aos cabelos
brancos, diz a pesquisadora.
Essa última propriedade, aparentemente milagrosa, não foi
comprovada até agora, mas os
testes de laboratório revelaram
por que a C. spruceanum poderia
ter um efeito benéfico para a pele.
É que a planta contém fenóis
(um tipo de molécula orgânica)
com forte potencial antioxidante.
Trocando em miúdos: esses fenóis impedem o envelhecimento
das células ao deter a ação dos
chamados radicais livres, átomos
isolados de oxigênio altamente
energéticos que são um veneno
para todas as moléculas dos seres
vivos. Por isso, um cosmético feito à base da planta estaria muito
perto do ideal para tratar a pele.
E o potencial não pára por aí:
outra substância isolada na planta, uma forma de ácido acetilênico
(um ácido orgânico de cadeia longa), mostrou ser um antibiótico
de primeira ao ser testado contra
bactérias e fungos. "Substâncias
como essas estão presentes, por
exemplo, em inseticidas", afirma
Vanderlan Bolzani.
Antimalária
Um parente dos ipês, a Arrabideae samidoides, também está na
mira dos pesquisadores da
Unesp. Patrícia Mendonça Pauletti, aluna de doutorado de Bolzani, identificou xantonas (moléculas orgânicas cuja estrutura inclui três hexágonos formados por
átomos de carbono) que também
são bons antioxidantes.
O resultado mais interessante,
embora ainda preliminar, foi a
possível ação dessas substâncias
contra o metabolismo do Plasmodium falciparum, o protozoário
causador da malária.
O parasita, que costuma atacar
os glóbulos vermelhos do sangue
humano, usa uma proteína para
"digerir" a hemoglobina (molécula que é o pigmento vermelho
do sangue) e produzir seu próprio
pigmento celular. "Um dos produtos dessa quebra, o heme, é tóxico para o plasmódio, mas ele
usa essa proteína, a hrp2, para
metabolizá-lo", afirma Pauletti.
As xantonas das folhas e do caule da Arrabideae samidoides conseguiram inibir a ação dessa proteína em laboratório, o que acabaria com o protozoário. Não foram
feitos testes com o próprio plasmódio, mas, de acordo com Pauletti, a chance de que a coisa funcione com o protozoário vivo é
considerada grande.
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