|
Próximo Texto | Índice
ANTROPOLOGIA
Estudo feito em duas cidades do pampa sugere que área do RS teve grande contribuição de genes indígenas
Gaúchos carregam DNA de índios extintos
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Regiões do Rio Grande do Sul, o
mais europeu dos Estados brasileiros, podem abrigar uma população quase tão indígena, do ponto de vista genético, quanto a
Amazônia. Pesquisadores gaúchos analisaram o DNA de seus
conterrâneos da região do pampa
(planície com vegetação rasteira)
e revelaram que mais da metade
descende de mães índias -de tribos que sumiram há 200 anos.
Por enquanto, os dados se restringem a 52 pessoas de Bagé e
Alegrete, no extremo sul gaúcho,
perto da fronteira com o Uruguai.
Se mais análises confirmarem a
hipótese da geneticista Maria Cátira Bortolini, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul), o DNA dos atuais gaúchos
pode fornecer a única janela para
entender os charruas e minuanos,
tribos do pampa que deixaram de
existir no começo do século 19.
"As pessoas que nos forneceram as amostras de DNA não têm
a menor idéia dessa origem indígena, tanto que elas se definem
como descendentes de espanhóis
e portugueses, ou simplesmente
como gaúchos, porque a relação
com os índios já está muito distante no tempo", diz Bortolini.
Mesmo assim, 62% das pessoas
estudadas revelaram ter ascendência indígena pelo lado materno -nível comparável ao que se
encontra na Amazônia.
Dá para apontar com certeza a
fonte materna desse sangue indígena porque o mtDNA (DNA mitocondrial) estudado pelos pesquisadores gaúchos só é transmitido de mãe para filho ou filha.
Proveniente das mitocôndrias, as
produtoras de energia química
das células, só o mtDNA dos óvulos costuma passar para o embrião, não o dos espermatozóides
-e por isso esse material genético funciona como um bom marcador da linhagem materna.
"Nós tínhamos uma idéia do
que poderíamos encontrar, porque a região do pampa, assim como o Uruguai e tudo o que se costumava chamar antigamente de
Banda Oriental, era ocupada por
esses índios do grupo pampiano,
principalmente charruas e minuanos", afirma Bortolini.
"Eram índios nômades, de planície, e parece que influenciaram
muito o arquétipo do gaúcho, como o fato de serem cavaleiros, de
usarem as boleadeiras e o chiripá
[espécie de calça larga sem costuras, típica do pampa]."
Assim como os nativos das
grandes planícies dos Estados
Unidos, os charruas e minuanos
capturaram cavalos trazidos pelos
europeus e ofereceram considerável resistência à conquista de suas
terras. Por isso, ganharam fama
de rebeldes e aguerridos e a indesejada atenção dos colonos portugueses e espanhóis, que trataram
de fazer tudo para exterminá-los.
A hipótese ligando os gaúchos a
essas etnias foi testada na dissertação de Andréia Rita Marreiro,
aluna de Bortolini na UFRGS. No
estudo, o mtDNA dos moradores
de Bagé e Alegrete foi comparado
ao dos guaranis, outro importante povo indígena da região Sul,
mas cuja identidade genética é
bem mais conhecida que a dos
obscuros charruas e minuanos.
Conexão chilena
O resultado, embora decididamente indígena, não batia com as
características específicas do
mtDNA guarani, nem com a distribuição dos grupos mitocondriais A, B, C, D (os mais comuns
entre os nativos americanos) comum nesse povo.
"Entre os guaranis, o grupo
mais comum é o A, com cerca de
70% das pessoas, enquanto o C e o
D são muito baixos, por volta de
7%. Nessas amostras, a proporção
de C e D é de 30% cada um", compara Bortolini. Aparentemente, o
mtDNA dos gaúchos do pampa se
assemelha muito ao dos mapuches, uma tribo que habita os Andes chilenos.
"Estamos nos deparando com o
que se poderia chamar de genomas-testemunho, já que esse
DNA mitocondrial pode ser o
único testemunho que restou de
povos desaparecidos, como os
charruas", diz Bortolini. Por outro lado, a comparação com a região da serra Gaúcha, colonizada
principalmente por italianos e
alemães, revela que ali os genes
indígenas foram praticamente
substituídos pelos de europeus.
Próximo Texto: Panorâmica - Genômica: Britânicos, alemães e americanos soletram genes da bactéria da coqueluche Índice
|