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Tabu da virgindade feminina veio com a agricultura, diz cientista
Possibilidade de juntar patrimônio fez com que pais quisessem gerir vida sexual das filhas
Casamentos viraram, há 10 mil anos, moeda de troca entre famílias; urbanização recente teve efeito contrário
RICARDO MIOTO
SÃO PAULO
Foi há 10 mil anos que o hímen se tornou importante.
Essa é a conclusão de Peter
Stearns, grande especialista
em história sexual da Universidade George Mason (EUA).
Seu livro "História da Sexualidade", recém-lançado
no Brasil pela editora Contexto, compara a vida típica
de tribos nômades que vivem
de caça e coleta com a das
primeiras sociedades humanas pós-agricultura.
É inevitável, diz, perguntar: por que, de repente, a sexualidade feminina passou a
ser vigiada e elas muitas vezes perderam até a chance de
escolher seus parceiros?
Era diferente entre quem
não plantava. "Grupos caçadores-coletores tinham fascínio pela sexualidade. A bissexualidade era comum."
Houve a mudança porque,
com a possibilidade de acumular patrimônio (caçadores
não juntam excedente nem
terras), filhas viraram moeda
de troca entre famílias. Surgiu a herança e o dote.
Com a residência fixa e as
famílias agrupadas, ficou fácil, especialmente para pais,
supervisionar os outros.
Era importante zelar para
que as filhas não engravidassem de gente indesejada -e
para que os filhos também
não engravidassem qualquer
uma, mas sem testes de DNA
esse problema era menor.
AMOR SÉRIO
Ainda que restritivas, civilizações antigas tratavam de
sexo com naturalidade. Um
mito egípcio dizia que o deus
Atum se masturbava na água
e acabou ejaculando o Nilo.
Isso prosseguiu com as sociedades clássicas. A Grécia
foi muito tolerante com homossexuais. Rapazes eram
"tutorados" por homens
mais velhos na sexualidade.
"Platão disse ser mais provável que o amor sério surgisse entre homens, pois podia envolver uma mistura de
sexo e interessante conversação intelectual", diz Stearns.
Isso mostra que mulheres
ainda eram reprimidas -ainda que os romanos valorizassem seu prazer, por exemplo.
Com a ascensão do cristianismo, porém, a maneira de
lidar com o sexo endureceu.
Na Idade Média, as cidades
diminuem -e, em geral,
quanto mais urbano um povo, mais liberal sexualmente.
Se religiões clássicas contavam aventuras sexuais dos
deuses, Jesus nasceu de uma
virgem. O sexo se aproxima
do pecado. A homossexualidade cai na clandestinidade.
CIDADES PROMÍSCUAS
Com a Idade Média acabando, aos poucos as cidades voltaram a crescer. A industrialização, a partir do século 18, acelerou o processo.
Com o trabalho urbano,
herdar terras deixa de ser vital. "Se o pai não podia assegurar herança, havia menos
motivos para que os filhos
aceitassem plenamente sua
autoridade", diz Stearns. O
anonimato das cidade grandes também oferece menor
controle sobre a vida alheia.
Países da Europa, EUA e
Brasil só viraram majoritariamente urbanos no século 20.
O sexo acompanhou e dominou a cultura, seja em Hollywood ou nas revistas, e a virgindade perdeu espaço.
A homossexualidade passou a ser vista com mais naturalidade, e países como a
Espanha legalizaram o casamento gay recentemente.
Com métodos anticoncepcionais eficientes, o sexo pelo prazer disparou. As mulheres no mercado de trabalho se tornam menos dependentes das ordens paternas.
É um processo que ainda
está acontecendo. Ainda hoje, por exemplo, metade do
mundo vive em áreas rurais.
"Não sabemos se o mundo
todo vai se industrializar. É
difícil dizer que o padrão moderno de sexualidade triunfará, apesar de ser tentador
dizer que no futuro teremos
ainda mais aceitação do sexo
pelo prazer", diz Stearns.
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