São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

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ARQUEOLOGIA

Cemitério pré-histórico com 300 urnas funerárias foi semidestruído por construção de conjunto habitacional

Amazonas interrompe obras em sítio
Alberto César Araújo/A Crítica
Arqueólogo do Museu Amazônico limpa uma das 300 urnas funerárias achadas perto de Manaus




KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

O governo do Amazonas interditou ontem, por tempo indeterminado, a obra de terraplanagem que destruía aquele que está sendo considerado o maior cemitério pré-histórico da Amazônia.
O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) havia descoberto o sítio, na zona leste de Manaus, no fim da tarde de quarta-feira, quando foram localizadas diversas urnas funerárias destruídas.
O sítio está localizado em uma área de cerca de 20.000 m2, onde o governo do Estado constrói o conjunto habitacional Nova Cidade (a 40 km do centro da capital).
Segundo a diretora do Iphan, Ana Lúcia Abrahim, tratores da empreiteira que faz a terraplanagem da obra destruíram 40% das peças. "É uma imagem desoladora e dramática. Está sendo destruído o maior sítio arqueológico da Amazônia", afirmou.
Segundo Abrahim, vizinhos da obra avisaram no começo da semana o Iphan sobre a existência das peças indígenas.
Ela disse que ontem uma equipe do Iphan esteve no local e contabilizou cerca de 300 urnas funerárias. As peças são semelhantes a outras já encontradas em pontos da cidade. Os arqueólogos estimam que a idade das urnas seja de cerca de 1.100 anos.
"Conseguimos resgatar parte de duas urnas que foram semidestruídas pelos tratores. São peças da cerâmica conhecida como tradição Paredão", disse o responsável pela área de arqueologia do Museu Amazônico, Carlos Augusto da Silva.

Sentados em relíquias
Não é a primeira vez que obras públicas esbarram em sítios arqueológicos em Manaus. Em dezembro do ano passado, operários que trabalhavam na construção do estacionamento do prédio da Assembléia Legislativa do Estado, no centro da cidade, também toparam com uma urna funerária, igualmente atribuída à tradição cerâmica Paredão.
Em maio, uma equipe do Iphan havia localizado, nas cercanias da cidade, uma urna com características muito semelhantes às das encontradas agora.
Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP, que coordena um projeto de escavações na região do baixo Rio Negro -na vizinhança de Manaus-, a capital amazonense foi construída sobre diversos sítios arqueológicos.
"Mas nunca tinha visto nada tão grande", disse Neves à Folha. "É um achado inédito para a arqueologia brasileira porque, pela primeira vez, temos uma amostra significativa de sepultamentos."
Os diversos esqueletos encontrados no local poderão, por exemplo, permitir aos arqueólogos saber detalhes sobre o modo de vida, a dieta e as doenças dos antigos manauaras.
O estudo do cemitério poderá, também, ajudar a esclarecer a pendenga sobra a existência de sociedades complexas e de ocupações contínuas na Amazônia pré-histórica. "Se for comprovado que todas as urnas têm a mesma idade, estaremos diante de uma bela evidência", disse Neves.
A empreiteira Soma faz a terraplanagem no local onde está o sítio arqueológico. Até a tarde de ontem, nenhum de seus representantes falou sobre o assunto.
Até ontem, os arqueólogos mapearam 174 das cerca de 300 urnas funerárias, catalogando-as. Na semana que vem, uma equipe deverá começar o resgate das peças.

Colaborou Claudio Angelo, da Reportagem Local

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