São Paulo, terça-feira, 13 de fevereiro de 2001

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GENOMA

Anúncio da sequência do DNA da espécie humana é marcado pela acusação de que Craig Venter dificulta acesso a dados

Programa público ataca a empresa Celera

France Presse
Craig Venter da Celera, do Projeto Genoma Humano, em entrevista


DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

E DO "THE NEW YORK TIMES"

Cerimônias e entrevistas coletivas em ao menos quatro países marcaram o lançamento, ontem, dos artigos científicos com as primeiras transcrições quase completas do código genético do homem. O brilho pretendido para as solenidades foi eclipsado pelas acusações entre os grupos de cientistas responsáveis pelo feito.
O tom das declarações ultrapassou o nível em geral comedido adotado por pesquisadores. John Sulston, líder do Projeto Genoma Humano (PGH) no Reino Unido, empregou o termo "criminoso" para qualificar, indiretamente, a política de acesso aos dados genéticos de seu concorrente.
Os artigos estão saindo esta semana nas revistas "Nature" e "Science". São duas as equipes envolvidas, ambas com mais de 200 autores relacionados nos trabalhos: o PGH, um consórcio de instituições públicas de pesquisa de seis países (sob a liderança dos EUA), e a empresa Celera Genomics, do cientista-empresário norte-americano Craig Venter.
Venter é criticado pelos adversários da iniciativa pública por impor condições de acesso aos seus dados, condições essas aceitas pela revista norte-americana "Science". Para os cientistas do setor público, o genoma é uma "dádiva" para a humanidade e deve ser livremente acessível.
"O genoma humano é de propriedade internacional e pública. Isso é o que estamos celebrando hoje. Liberdade de informação e liberdade de acesso a essa informação", disse Sulston. "Teria sido criminoso impedir o acesso a essa informação."
Francis Collins, líder do PGH nos EUA, também foi ao ataque: "Vamos continuar como começamos, tornando os dados livremente disponíveis, sem qualquer tipo de restrição", disse.
"Não há patentes pedidas, nem taxas de assinatura, licenças ou documentos para assinar. Tudo que você necessita é uma conexão de Internet. O genoma humano é a nossa herança compartilhada", afirmou Robert Waterston, da Universidade Washington em Saint Louis (Missouri, EUA).
Craig Venter reagiu. "Nossos dados estão livremente disponíveis para cientistas de qualquer parte", disse à rede britânica BBC. "Não há restrições às descobertas, à patenteabilidade ou à sua publicação. O que eles (cientistas) não podem fazer é levar nossos dados e tentar estabelecer um negócio para competir com a Celera, que pagou por isso usando seu próprio dinheiro."
Analistas do mercado de ações dizem que essa polêmica importa muito pouco, porque a Celera provou sua capacidade de usar os dados públicos para fazer um produto melhor. Winton Gibbons, analista da empresa William Blair & Co., afirmou que a qualidade do genoma da Celera parece "muito superior".

De homens e roedores
Venter, autor principal do estudo da "Science", disse que encontrou apenas 300 genes que não tinham equivalente no genoma do camundongo. Com base nisso, disse esperar que o chimpanzé tenha quase o mesmo conjunto de genes que os humanos, embora muitos desses genes devam ter sequências de DNA variantes.
O estudo feito pelo Projeto Genoma Humano, que tem como autor principal Eric Lander, do Whitehead Institute, em Cambridge (EUA), causa igual dano à dignidade humana, afirmando que 113 genes foram recebidos diretamente de bactérias e incorporados no genoma humano.
O ambicioso projeto de decodificar a mensagem genômica começou em 1990 e está agora substancialmente completo, embora as versões do genoma de cada um dos estudos estejam cheias de buracos. Com tanto esforço e glória científica em jogo, cada equipe continua extremamente cética quanto à abordagem da outra e acredita que seu método produziu uma sequência mais exata.


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