São Paulo, quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

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Proteína dá "supermemória" a roedores

Pesquisadores do Rio Grande do Sul e da Argentina aumentam persistência das lembranças em até dez vezes em ratos

Molécula cujo papel nas memórias foi elucidado em 2006 abre caminho para uma droga futura contra doença neurodegenerativa

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de neurocientistas brasileiros e argentinos anunciou nesta semana a descoberta da proteína que determina a duração de uma memória no cérebro. Em experimentos com ratos, pesquisadores da Universidade de Buenos Aires e da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) conseguiram aumentar de sete a dez vezes a persistência de uma lembrança no cérebro.
Em estudo publicado na última sexta-feira no site da revista "PNAS" (www.pnas.org), os cientistas descrevem um experimento no qual os roedores recebiam uma dose extra da proteína BDNF. O papel dessa molécula na memória havia sido descoberto pelo mesmo grupo de pesquisa em 2006. Agora, o grupo mostra pela primeira vez como é possível ampliar a duração das lembranças de animais usando a proteína (veja quadro à direita).
"Convertemos uma memória que não dura em uma memória que dura, mediante a administração de um fármaco", diz Martín Cammarota, da PUC-RS. Segundo ele, o grupo mostrou que a BDNF é crucial para sustentar memórias quando age numa região específica do cérebro, o hipocampo.
No experimento, a proteína reverteu um processo de esquecimento mesmo em animais que haviam sido tratados com uma droga que barra totalmente a produção de proteínas no hipocampo. "A BDNF não é apenas necessária, mas é também suficiente para induzir a persistência da memória", afirma Cammarota, que trabalha no grupo do cientista Iván Izquierdo em Porto Alegre. O trabalho foi liderado por Jorge Medina, em Buenos Aires.
Segundo o grupo, a descoberta dos cientistas abre caminho para uma droga contra doenças neurodegenerativas que prejudicam a memória, mas há uma rota longa a percorrer.
"Não podemos injetar BDNF no cérebro das pessoas, como fizemos com os ratos", diz Cammarota. Segundo o cientista, isso implicaria em um risco incerto. "Estamos estudando agora quais são os mecanismos neuroquímicos e neuroanatômicos que determinam a produção da BDNF após o treino [de memória dos ratos]."
Segundo Cammarota, o grau de conhecimento que o grupo atingiu já permite que sejam conduzidos experimentos indiretos sobre o papel da BDNF no cérebro de humanos. Em um teste com jovens e idosos saudáveis seria possível manipular o grau de concentração da BDNF no cérebro usando drogas seguras e conhecidas.
"Uma vez que nós tenhamos alguma idéia disso, a intenção é estender esses estudos para pacientes que apresentem algum tipo de enfermidade neurodegenerativa, talvez algo como um mal de Alzheimer incipiente", diz o neurocientista.
Segundo Cammarota, um outro aspecto importante do experimento é que ele reforça a noção de que "intensidade" e "duração" são elementos separados na memória.
Entre os ratos testados, os que haviam recebido choques mais fortes nos pés ficavam com memória mais intensa (mais medo de sair da plataforma) quando voltavam à gaiola de testes. Eles levavam mais tempo para tentar verificar se o chão ainda dava choque. Os ratos que haviam levado choques mais amenos também se lembravam da área que deveriam evitar, mas não tardavam muito a fazer uma nova verificação.
Em geral, há uma correlação entre intensidade e duração das memórias, diz Cammarota, mas, no experimento com os roedores, os cientistas brasileiros e argentinos conseguiram quebrar essa ligação. "Nós manipulamos apenas a variável durabilidade, não a variável intensidade", afirma. Mesmo aumentando a durabilidade da lembrança nos ratos, eles continuavam se comportando como se a memória tivesse baixa intensidade.


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