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Proteína dá "supermemória" a roedores
Pesquisadores do Rio Grande do Sul e da Argentina aumentam persistência das lembranças em até dez vezes em ratos
Molécula cujo papel nas
memórias foi elucidado em
2006 abre caminho para
uma droga futura contra
doença neurodegenerativa
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um grupo de neurocientistas
brasileiros e argentinos anunciou nesta semana a descoberta
da proteína que determina a
duração de uma memória no
cérebro. Em experimentos com
ratos, pesquisadores da Universidade de Buenos Aires e da
PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul) conseguiram aumentar de
sete a dez vezes a persistência
de uma lembrança no cérebro.
Em estudo publicado na última sexta-feira no site da revista
"PNAS" (www.pnas.org), os
cientistas descrevem um experimento no qual os roedores
recebiam uma dose extra da
proteína BDNF. O papel dessa
molécula na memória havia sido descoberto pelo mesmo
grupo de pesquisa em 2006.
Agora, o grupo mostra pela primeira vez como é possível ampliar a duração das lembranças
de animais usando a proteína
(veja quadro à direita).
"Convertemos uma memória que não dura em uma memória que dura, mediante a administração de um fármaco",
diz Martín Cammarota, da
PUC-RS. Segundo ele, o grupo
mostrou que a BDNF é crucial
para sustentar memórias
quando age numa região específica do cérebro, o hipocampo.
No experimento, a proteína
reverteu um processo de esquecimento mesmo em animais que haviam sido tratados
com uma droga que barra totalmente a produção de proteínas
no hipocampo. "A BDNF não é
apenas necessária, mas é também suficiente para induzir a
persistência da memória", afirma Cammarota, que trabalha
no grupo do cientista Iván Izquierdo em Porto Alegre. O trabalho foi liderado por Jorge
Medina, em Buenos Aires.
Segundo o grupo, a descoberta dos cientistas abre caminho
para uma droga contra doenças
neurodegenerativas que prejudicam a memória, mas há uma
rota longa a percorrer.
"Não podemos injetar BDNF
no cérebro das pessoas, como
fizemos com os ratos", diz
Cammarota. Segundo o cientista, isso implicaria em um risco incerto. "Estamos estudando agora quais são os mecanismos neuroquímicos e neuroanatômicos que determinam a
produção da BDNF após o treino [de memória dos ratos]."
Segundo Cammarota, o grau
de conhecimento que o grupo
atingiu já permite que sejam
conduzidos experimentos indiretos sobre o papel da BDNF
no cérebro de humanos. Em
um teste com jovens e idosos
saudáveis seria possível manipular o grau de concentração
da BDNF no cérebro usando
drogas seguras e conhecidas.
"Uma vez que nós tenhamos
alguma idéia disso, a intenção é
estender esses estudos para pacientes que apresentem algum
tipo de enfermidade neurodegenerativa, talvez algo como
um mal de Alzheimer incipiente", diz o neurocientista.
Segundo Cammarota, um
outro aspecto importante do
experimento é que ele reforça a
noção de que "intensidade" e
"duração" são elementos separados na memória.
Entre os ratos testados, os
que haviam recebido choques
mais fortes nos pés ficavam
com memória mais intensa
(mais medo de sair da plataforma) quando voltavam à gaiola
de testes. Eles levavam mais
tempo para tentar verificar se o
chão ainda dava choque. Os ratos que haviam levado choques
mais amenos também se lembravam da área que deveriam
evitar, mas não tardavam muito a fazer uma nova verificação.
Em geral, há uma correlação
entre intensidade e duração
das memórias, diz Cammarota,
mas, no experimento com os
roedores, os cientistas brasileiros e argentinos conseguiram
quebrar essa ligação. "Nós manipulamos apenas a variável
durabilidade, não a variável intensidade", afirma. Mesmo aumentando a durabilidade da
lembrança nos ratos, eles continuavam se comportando como se a memória tivesse baixa
intensidade.
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