São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2004

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ASTRONOMIA

Pico de fabricação de estrelas aconteceu há cerca de 5 bilhões de anos; cosmos caminha no rumo da escuridão

Universo está em decadência, diz estudo

Divulgação ESO
Desenho do Sol e de estrelas próximas que orbitam a Via Láctea, como seria vista do exterior


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se é verdade que "o mundo todo é um palco", como dizia William Shakespeare (1564-1616), então as luzes estão se apagando. Um novo estudo realizado por astrônomos no Reino Unido mostrou que o Universo já não faz mais estrelas como antigamente.
Eles chegaram a essa conclusão depois de analisar a luz proveniente de nada menos que 96.545 galáxias relativamente próximas da Terra. De acordo com os novos resultados, o cosmos atingiu o ápice da temporada de fabricação de astros brilhantes cerca de 5 bilhões de anos atrás -justamente na época em que estava nascendo sua maior estrela, para o público humano: o Sol.
Hoje o Universo está em baixa -mais estrelas estão sumindo, e menos estão nascendo para substituí-las. O cosmos, que hoje tem 13,7 bilhões de anos, está entrando em decadência, ainda que num ritmo extremamente lento.
"Ainda vai levar uns poucos bilhões de anos para que o céu noturno escureça significativamente", diz Alan Heavens, astrônomo da Universidade de Edimburgo (Escócia) e principal autor do estudo, que saiu na última edição da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).

Longa temporada
Apesar disso, ninguém precisa se preocupar em comprar lanternas, ainda. "Muito, muito mais tempo será exigido até que as luzes se apaguem, porque cada geração de estrelas deixa alguns destroços, com os quais algumas estrelas novas podem se formar."
O estudo foi feito a partir de registros colhidos num grande projeto de observação de galáxias, o SDSS (Sloan Digital Sky Survey). Sua principal função é determinar com mais exatidão como as galáxias se distribuem no Universo (sabe-se que elas tendem a formar aglomerados desigualmente distribuídos pelo cosmos). Mas as observações se prestam também a outros usos, como o dado por Heavens e sua equipe.

Fósseis cósmicos
Eles descrevem sua pesquisa como uma observação do "registro fóssil" do Universo. As 96 mil e tantas galáxias estão todas relativamente próximas, entre 60 milhões e 1,5 bilhão de anos-luz daqui. Um ano-luz equivale à distância que a luz percorre em um ano, aproximadamente 9,5 trilhões de quilômetros.
É impossível observar as estrelas dentro das galáxias individualmente, mas a luz combinada delas apresenta uma boa "média" da cor de todas as estrelas que estão ali contidas. Há uma relação muito forte entre a cor de uma estrela e sua idade. Conforme sua evolução e seu tamanho, elas têm temperaturas e cores diferentes. Com isso, é possível estimar aproximadamente a idade das estrelas de uma dada galáxia.
É uma técnica comparável à que as pessoas usam para identificar o momento mais adequado para consumir uma fruta -olhando apenas para seu aspecto e sua coloração, é possível estimar quão madura ela está.
A partir dos dados do SDSS, os astrônomos puderam fazer uma constatação curiosa: algumas frutas cósmicas envelhecem mais depressa que outras. Galáxias maiores parecem atingir o pico de produção de estrelas mais rápido.
Isso explica o porquê de os cálculos anteriores para o pico de formação de estrelas no Universo apontar para uma época mais remota, 8 bilhões de anos atrás.
"As outras estimativas são baseadas em pesquisas que levavam em conta galáxias distantes, procurando no passado [quanto mais longe se vê, mais antiga é a imagem] por sinais de formação estelar. Essas pesquisas vêem apenas as galáxias mais maciças, e, como descobrimos, essas galáxias atingem o pico antes, mas as pequenas, não-observadas, só atingiriam esse ponto mais tarde."
Em outras palavras, os grandes abacaxis cósmicos estragam mais rápido que as pequenas uvas. Se uma dada pesquisa só consegue ver os abacaxis, chega à conclusão de que o auge das frutas aconteceu bem antes. Olhando uvas e abacaxis próximos, Heavens obteve uma estimativa mais precisa.
Para ele, não é tão surpreendente que as galáxias evoluam de duas maneiras distintas, de acordo com o tamanho. "Já sabíamos que as galáxias vinham em dois tipos básicos -espirais e elípticas-, então talvez não seja completamente inesperado. Esperávamos que as galáxias formadas mais cedo fossem elípticas, e as mais recentes, predominantemente espirais."

Possibilidades
Graças aos dados do SDSS, o grupo pretende prosseguir com essa linha de pesquisa, a fim de decifrar os detalhes envolvidos na formação de estrelas e galáxias no Universo. "Estamos usando uma amostra tão grande que podemos fazer vários estudos subseqüentes", diz Heavens.
"Queremos descobrir se o ambiente da galáxia influencia a história da formação de estrelas. Também queremos saber se a formação de estrelas ocorre de forma contínua, ou em séries de picos."
O campo está longe de estagnado. Recentemente, um grupo de astrônomos descobriu algumas galáxias anãs ultracompactas, com uma densidade de estrelas jamais vista antes. "Estudos como esses vão ajudar a formar e testar nossas idéias sobre a formação de galáxias", diz Heavens.


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