São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2000


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GENOMA
Sucesso no sequenciamento do DNA da bactéria Xylella fastidiosa revela deficiência na pesquisa genética brasileira
Já faltam especialistas em bioinformática

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O primeiro genoma completo de um micróbio causador de doença em plantas está descrito por um consórcio brasileiro na edição de hoje da revista científica britânica "Nature". Até o final do ano, deve ficar pronto outro sequenciamento de uma bactéria desse tipo. Mas o avanço rápido das pesquisas na área trouxe um problema inesperado.
"Está se criando uma enorme demanda de gente capacitada em bioinformática", diz João Carlos Setúbal, pesquisador do Instituto de Computação da Unicamp que chefiou o trabalho de computação do sequenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, agente causador da doença do amarelinho, que ataca as laranjeiras.
A importância da bioinformática -computação aplicada à biologia- se reflete no fato de Setúbal ser o autor sênior do trabalho publicado na "Nature" (seu nome é o último da lista de 116 cientistas que assinam o estudo).
Segundo Setúbal, esse é o único gargalo que pode atrapalhar, no futuro próximo, a continuação de estudos genômicos no Brasil. "Temos apenas dois grupos de bioinformática. Isso é muito pouco", disse ele, em entrevista coletiva para anunciar a publicação.

Base da biologia
"Entramos em uma nova fase. A computação vai ser a base da biologia", diz o biólogo Andrew Simpson, coordenador do sequenciamento da Xylella (e primeiro nome na lista de autores).
Simpson chefia o laboratório de genética do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer em São Paulo. O Ludwig, em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), está financiando um projeto sobre genes de cânceres comuns no Brasil (leia texto abaixo).
A Fapesp é a criadora e principal financiadora do consórcio de pesquisa conhecido pela abreviatura Onsa (em inglês, Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos). Trata-se de uma instituição que só existe virtualmente, cujo papel é coordenar vários laboratórios sequenciadores e de bioinformática.
Outros projetos estão sendo tocados, novos deverão começar em breve e a Fapesp pretende decidir sobre os próximos a ser iniciados. Tudo isso torna ainda mais urgente o aumento da capacitação em bioinformática.
Até o final do ano, deve ficar pronto o sequenciamento do genoma da bactéria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, segundo José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp. "O genoma é duas vezes maior e o orçamento é duas vezes mais barato", diz ele. Foram investidos cerca de 13 milhões de dólares no programa da bactéria Xylella.

Rumo à Califórnia
O projeto atraiu interesse internacional. O Serviço de Pesquisa em Agricultura do governo norte-americano e a associação de viticultores dos EUA vão financiar, com a Fapesp, o sequenciamento de uma variedade de Xylella que ataca as uvas na Califórnia.
Além disso, também se está sequenciando no país o genoma da cana-de-açúcar. Em agosto, deve começar o trabalho com a Clavibacter xili, que causa doença na cana. O fungo Paracoccidioides brasiliensis, causador de uma micose, é outro que será sequenciado logo. Entre os projetos futuros, é discutido o sequenciamento de genomas de parasitas causadores de doenças tropicais.
O sequenciamento da Xylella terminou em janeiro deste ano. O artigo científico publicado na "Nature" de hoje inclui um mapa detalhado dos 2.904 genes descobertos, 47% dos quais têm funções conhecidas ou presumidas, pela comparação com outros genomas sequenciados (com genes "homólogos", ou semelhantes).
Este é o 24º genoma de bactéria completado e disponível para consulta à comunidade científica internacional.
O sequenciamento da bactéria do amarelinho foi planejado com o objetivo básico de tornar-se um meio de treinar equipes na área da genômica, extremamente competitiva. O projeto foi anunciado em outubro de 1997.
A Xylella foi sequenciada por um consórcio de 35 laboratórios (um dos quais de bioinformática). "Hoje, já são 65 laboratórios na rede Onsa", diz Perez. "Duzentos pesquisadores e técnicos foram treinados."


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