|
Próximo Texto | Índice
MEDICINA
Método de montagem pode acelerar criação de novas substâncias, mas ainda não é aplicável em escala industrial
Síntese de antibiótico dribla a resistência
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um novo método para produzir antibióticos pode finalmente levar a humanidade a vencer a corrida armamentista contra as bactérias causadoras de doenças e
das cada vez mais perigosas infecções hospitalares. Em vez de deixar a produção dessas substâncias por conta de outras formas de vida, cientistas da Escola Médica de Harvard decidiram tomar o problema nas próprias mãos.
Eles desenvolveram um método para sintetizar artificialmente
substâncias antibióticas. "Todos os métodos hoje empregados para produzir essas moléculas estão ligados à fermentação feita por outros seres vivos", diz Michael
Burkart, um dos autores da pesquisa, que foi publicada na última
edição da revista britânica "Nature" (www.nature.com).
Antibióticos são feitos por fermentação desde a descoberta de
sir Alexander Fleming (1881-1955), em 1928, de que mofo era
capaz de matar algumas bactérias
-por ação de uma substância
hoje conhecida como penicilina.
Quando seus efeitos foram comprovados, supunha-se que a vitória contra os organismos vivos
causadores de doenças estava
próxima de ser ganha. Mas essa
doce ilusão logo ganhou o gosto
do mesmo mofo que antes havia
salpicado a descoberta.
Ninguém previra que a variabilidade genética dos organismos
faria com que uns poucos fossem
resistentes àquela geração de antibióticos. Logo eles seriam capazes
de restabelecer toda a população
de germes, agora resistente.
Novos antibióticos eram criados, mas, a cada nova rodada dessa corrida armamentista, ficava
mais difícil criar algo inovador
para combater a resistência já estabelecida. Tal qual Sísifo, os médicos estavam condenados a eternamente empurrar a pedra encosta acima, só para vê-la rolar até
embaixo e começar tudo de novo.
Fogo com fogo
Cansados dessa luta desigual,
em que a natureza dita todas as
regras (ela produz tanto os antibióticos, via fermentação, quanto
a própria resistência a eles, na
composição genética dos organismos), os pesquisadores agora desenvolveram um meio de produzir sinteticamente, em laboratório, moléculas de ação antibiótica.
Mais que isso, o esquema oferece
uma variedade sem precedentes
para essas moléculas.
"Com essa técnica, podemos
não só descobrir que aminoácidos [partes da molécula" de um
antibiótico são essenciais para seu
funcionamento e quais podemos
variar, como também criar milhares de versões dessa molécula ligeiramente diferentes, com potencial para driblar a resistência",
disse Burkart à Folha. Após a conclusão desse trabalho, ele se mudou da Escola Médica de Harvard
para a Universidade da Califórnia
em San Diego, onde agora é chefe
de seu próprio laboratório.
Essencialmente, o que os pesquisadores fazem é colocar todos
os componentes da mistura, os
aminoácidos (peças elementares
que formam as proteínas, as grandes moléculas que são responsáveis por quase tudo no metabolismo dos seres vivos), junto a uma
molécula que seja capaz de promover a ligação entre eles.
"Passamos a maior parte do
tempo trabalhando nesse ligante.
Depois que o conseguimos, o resto foi bem simples." A pesquisa
tomou, no total, cerca de três anos
de Burkart e seus colegas Christopher Walsh e Rahul Kohli.
Embora a estratégia seja bem
animadora, ela ainda não é robusta o suficiente para já ser empregada industrialmente na caça aos
antibióticos. "Isso foi apenas um
teste do conceito", diz Burkart.
"Ainda não dominamos a química necessária para que isso seja
aplicável em escala industrial."
Quando isso for possível, segundo o pesquisador, a caça aos
antibióticos se tornará bem mais
simples. "Em laboratório, conseguimos produzir mil versões de
uma mesma molécula. Em instalações industriais, poderíamos
obter milhões", diz. "Uma delas há de servir a nossos propósitos."
Próximo Texto: Câmera discreta Índice
|