São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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MEDICINA

Método de montagem pode acelerar criação de novas substâncias, mas ainda não é aplicável em escala industrial

Síntese de antibiótico dribla a resistência

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um novo método para produzir antibióticos pode finalmente levar a humanidade a vencer a corrida armamentista contra as bactérias causadoras de doenças e das cada vez mais perigosas infecções hospitalares. Em vez de deixar a produção dessas substâncias por conta de outras formas de vida, cientistas da Escola Médica de Harvard decidiram tomar o problema nas próprias mãos.
Eles desenvolveram um método para sintetizar artificialmente substâncias antibióticas. "Todos os métodos hoje empregados para produzir essas moléculas estão ligados à fermentação feita por outros seres vivos", diz Michael Burkart, um dos autores da pesquisa, que foi publicada na última edição da revista britânica "Nature" (www.nature.com).
Antibióticos são feitos por fermentação desde a descoberta de sir Alexander Fleming (1881-1955), em 1928, de que mofo era capaz de matar algumas bactérias -por ação de uma substância hoje conhecida como penicilina. Quando seus efeitos foram comprovados, supunha-se que a vitória contra os organismos vivos causadores de doenças estava próxima de ser ganha. Mas essa doce ilusão logo ganhou o gosto do mesmo mofo que antes havia salpicado a descoberta.
Ninguém previra que a variabilidade genética dos organismos faria com que uns poucos fossem resistentes àquela geração de antibióticos. Logo eles seriam capazes de restabelecer toda a população de germes, agora resistente.
Novos antibióticos eram criados, mas, a cada nova rodada dessa corrida armamentista, ficava mais difícil criar algo inovador para combater a resistência já estabelecida. Tal qual Sísifo, os médicos estavam condenados a eternamente empurrar a pedra encosta acima, só para vê-la rolar até embaixo e começar tudo de novo.

Fogo com fogo
Cansados dessa luta desigual, em que a natureza dita todas as regras (ela produz tanto os antibióticos, via fermentação, quanto a própria resistência a eles, na composição genética dos organismos), os pesquisadores agora desenvolveram um meio de produzir sinteticamente, em laboratório, moléculas de ação antibiótica. Mais que isso, o esquema oferece uma variedade sem precedentes para essas moléculas.
"Com essa técnica, podemos não só descobrir que aminoácidos [partes da molécula" de um antibiótico são essenciais para seu funcionamento e quais podemos variar, como também criar milhares de versões dessa molécula ligeiramente diferentes, com potencial para driblar a resistência", disse Burkart à Folha. Após a conclusão desse trabalho, ele se mudou da Escola Médica de Harvard para a Universidade da Califórnia em San Diego, onde agora é chefe de seu próprio laboratório.
Essencialmente, o que os pesquisadores fazem é colocar todos os componentes da mistura, os aminoácidos (peças elementares que formam as proteínas, as grandes moléculas que são responsáveis por quase tudo no metabolismo dos seres vivos), junto a uma molécula que seja capaz de promover a ligação entre eles.
"Passamos a maior parte do tempo trabalhando nesse ligante. Depois que o conseguimos, o resto foi bem simples." A pesquisa tomou, no total, cerca de três anos de Burkart e seus colegas Christopher Walsh e Rahul Kohli.
Embora a estratégia seja bem animadora, ela ainda não é robusta o suficiente para já ser empregada industrialmente na caça aos antibióticos. "Isso foi apenas um teste do conceito", diz Burkart. "Ainda não dominamos a química necessária para que isso seja aplicável em escala industrial."
Quando isso for possível, segundo o pesquisador, a caça aos antibióticos se tornará bem mais simples. "Em laboratório, conseguimos produzir mil versões de uma mesma molécula. Em instalações industriais, poderíamos obter milhões", diz. "Uma delas há de servir a nossos propósitos."


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