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ESPAÇO
A Mars Reconnaissance Orbiter, satélite da Nasa, decolou ontem de manhã da Flórida rumo ao planeta vermelho
Sonda vai a Marte, com brasileiro na chefia
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A sonda Mars Reconnaissance
Orbiter, que finalmente partiu
ontem rumo a Marte, pode até ser
americana, mas tem um brasileiro no topo da cadeia de comando.
O engenheiro Ramon de Paula,
52, é nascido em Guaratinguetá
(SP), cresceu em Pirassununga, "a
cidade em que o peixe ronca, na
língua indígena". Desde os 17
anos vive nos Estados Unidos.
Neste momento, sua mente já
está concentrada em outro mundo. Ele é o executivo da missão no
Quartel-General da Nasa, em
Washington. A ele cabe a responsabilidade de supervisionar para a
chefia da agência espacial americana o andamento dos trabalhos
com a sonda, administrada pelo
JPL (Laboratório de Propulsão a
Jato), em Pasadena, Califórnia.
A Mars Reconnaissance Orbiter
(MRO), com suas imponentes 2,2
toneladas, foi lançada ontem da
Flórida às 8h43 (horário de Brasília) com um foguete Atlas-5, após
dois dias de adiamentos por conta
de problemas com o lançador
-aliás, é a primeira vez que a Nasa lança uma sonda dela com esse
foguete, feito para a Força Aérea.
A esta altura, a sonda já iniciou
sua jornada até Marte, viagem de
cerca de 450 milhões de quilômetros que leva aproximadamente
oito meses para ser concluída.
A melhor forma de defini-la é
dizer que se trata do primeiro satélite-espião em Marte. Com uma
câmera com altíssima resolução e
um sistema capaz de detectar sinais de gelo até 500 metros sob a
superfície, o projeto tem a ambiciosa meta de se tornar a missão a
trazer a maior quantidade de informações sobre o planeta vermelho. "É a câmera mais sofisticada
já enviada a um outro planeta",
afirma De Paula.
Superar tudo que já foi feito em
Marte antes é uma tarefa difícil de
cumprir, depois de sucessos recentes, como o das sondas Mars
Global Surveyor (que está na órbita de Marte desde 1997 e continua operando), Mars Odyssey
(desde 2001, ainda funcionando)
e Mars Express (desde 2003, também funcional até hoje). E isso
sem falar nos dois jipes robóticos
Spirit e Opportunity, que perambulam pelo solo marciano há
mais de um ano e meio.
Mas o engenheiro brasileiro
acredita no sucesso. "A MRO é
uma das missões mais importantes que mandaremos para Marte e
ela vai continuar sendo nos próximos oito a dez anos", afirma.
Entre outras coisas, a nave ajudará a resolver alguns velhos mistérios marcianos, como revelar o
que sobrou das sondas Mars Polar Lander (EUA, 1999) e Beagle-2
(Inglaterra, 2003), que se esborracharam na superfície daquele
mundo ao tentar um pouso.
Também espera-se que ela indique locais de descida para futuras
naves e, quiçá, ser a precursora
das naves que escolherão os alvos
para missões tripuladas em Marte. Pelo menos, é o que diz De
Paula, que no entanto pensa que o
envio de gente ao planeta vermelho ainda é um sonho muito distante. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
Folha - Há dois jipes operando
desde o início de 2004 em Marte.
Há a perspectiva de ver a Mars Reconnaissance Orbiter e os jipes Spirit e Opportunity trabalhando juntos, em coordenação?
Ramon de Paula - A possibilidade existe, desde que os jipes estejam funcionando quando a MRO
chegar a Marte e começar a sua fase operacional. Mas na verdade a
única coisa que se pode tirar disso
é testar a transmissão de informações entre os jipes e a MRO.
Folha - Existe uma expectativa
muito grande de que a nova sonda
solucione o mistério das perdas das
sondas Mars Polar Lander, da Nasa,
em 1999, e Beagle-2, dos britânicos, em 2003. Será mesmo possível
ver o que restou dessas máquinas?
De Paula - Sim, será possível ver
o que restou das outras missões
porque a câmera da MRO tem resolução de um metro. Podemos
ver objetos com até um metro de
tamanho. É a câmera mais sofisticada já enviada a outro planeta.
Folha - Imagens da perdida Mars
Polar Lander podem impactar no
planejamento da Phoenix, para
2007, que é basicamente uma "reedição" daquela missão?
De Paula - O que vai acontecer é
que imagens da MRO vão ajudar
a selecionar o lugar mais apropriado para a Phoenix descer. Os
problemas da Polar Lander já estão sendo corrigidos na Phoenix.
Folha - Qual é a melhor definição
para a missão da MRO, e onde ela
complementa o trabalho dos jipes
Spirit e Opportunity, da Mars Global Surveyor e da Mars Odyssey?
De Paula - A MRO é uma missão
bem complexa e bem diferente da
dos jipes. Vai estudar as estações
do ano, a superfície e o subsolo,
procurando gelo. Vai caracterizar
completamente o clima, os ventos, as temperaturas. É uma completa caracterização dos aspectos
geológicos de Marte, coisa que a
Mars Global Surveyor também
não podia fazer. E temos um instrumento que vai observar o subsolo a até 500 metros de profundidade à procura de gelo. Ele é complementar ao Marsis, na Mars Express [sonda européia já em órbita de Marte], que vê a profundidades maiores que 500 metros.
Folha - Existe a idéia de usar a
MRO também como satélite de comunicação em Marte. Essa seria
uma espécie de "piloto" para o projeto de ter um satélite 100% voltado para comunicações em Marte?
De Paula - Realmente o piloto
para isso foi a Odyssey. Cerca de
98% das informações dos jipes
vieram através da Odyssey. Originalmente, pensávamos em lançar,
já em 2009, um orbitador para telecomunicações, mas por limitações de orçamento, desistimos da
idéia. A MRO deve servir nessa
função por um bom tempo.
Quem sabe mais tarde, em 2015,
2018? Só o tempo vai dizer. Não
sabemos se conseguiremos justificar a necessidade de um satélite
100% voltado para comunicações.
Folha - Jim Garvin [cientista-chefe da Nasa] afirma que a idéia da
Nasa é deixar as missões marcianas
da próxima década ainda em aberto, para que seu planejamento pudesse ser guiado pelas futuras descobertas. A MRO deve ser a maior
catalisadora disso?
De Paula - Sim, a MRO deve ser
mesmo a maior catalisadora do
que fazer na próxima década. Ela
vai revelar que outros lugares vamos querer explorar, que instrumentos vamos querer levar. A
MRO é uma das missões mais importantes que mandaremos para
Marte e ela vai continuar sendo
nos próximos oito a dez anos.
Folha - A MRO também vai ser importante para o planejamento de
futuras missões tripuladas?
De Paula - Eu acho que uma missão tripulada não vai acontecer na
próxima década. Eu diria que ela
só vai poder acontecer em 2030,
2040. Até lá já haverá outros orbitadores mais sofisticados que vão
apoiar a missão. Ainda há muita
tecnologia a ser desenvolvida,
muitos riscos a ser mitigados.
Mas a MRO vai ser a "pathfinder"
["localizadora de caminhos", em
inglês] desse processo.
Folha - O sr. hoje é executivo da
missão do Mars Reconnaissance Orbiter no Quartel-General da Nasa.
Como o sr. saiu daqui e foi parar aí?
De Paula - Eu vim para os Estados Unidos quando eu tinha 17
anos, uma semana antes de completar 17. Meu pai veio trabalhar
na Comissão Aeronáutica Brasileira, da Aeronáutica, aqui em
Washington. Fiz meus estudos
aqui, engenharia eletrônica, doutorado em engenharia nuclear,
Ph.D., e então fui trabalhar no
JPL. Depois do JPL, vim para o
Quartel-General da Nasa, em
Washington. Mas isso, claro, é resumir 35 anos em 30 segundos...
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