São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2005

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ESPAÇO

A Mars Reconnaissance Orbiter, satélite da Nasa, decolou ontem de manhã da Flórida rumo ao planeta vermelho

Sonda vai a Marte, com brasileiro na chefia

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A sonda Mars Reconnaissance Orbiter, que finalmente partiu ontem rumo a Marte, pode até ser americana, mas tem um brasileiro no topo da cadeia de comando. O engenheiro Ramon de Paula, 52, é nascido em Guaratinguetá (SP), cresceu em Pirassununga, "a cidade em que o peixe ronca, na língua indígena". Desde os 17 anos vive nos Estados Unidos.
Neste momento, sua mente já está concentrada em outro mundo. Ele é o executivo da missão no Quartel-General da Nasa, em Washington. A ele cabe a responsabilidade de supervisionar para a chefia da agência espacial americana o andamento dos trabalhos com a sonda, administrada pelo JPL (Laboratório de Propulsão a Jato), em Pasadena, Califórnia.
A Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), com suas imponentes 2,2 toneladas, foi lançada ontem da Flórida às 8h43 (horário de Brasília) com um foguete Atlas-5, após dois dias de adiamentos por conta de problemas com o lançador -aliás, é a primeira vez que a Nasa lança uma sonda dela com esse foguete, feito para a Força Aérea.
A esta altura, a sonda já iniciou sua jornada até Marte, viagem de cerca de 450 milhões de quilômetros que leva aproximadamente oito meses para ser concluída.
A melhor forma de defini-la é dizer que se trata do primeiro satélite-espião em Marte. Com uma câmera com altíssima resolução e um sistema capaz de detectar sinais de gelo até 500 metros sob a superfície, o projeto tem a ambiciosa meta de se tornar a missão a trazer a maior quantidade de informações sobre o planeta vermelho. "É a câmera mais sofisticada já enviada a um outro planeta", afirma De Paula.
Superar tudo que já foi feito em Marte antes é uma tarefa difícil de cumprir, depois de sucessos recentes, como o das sondas Mars Global Surveyor (que está na órbita de Marte desde 1997 e continua operando), Mars Odyssey (desde 2001, ainda funcionando) e Mars Express (desde 2003, também funcional até hoje). E isso sem falar nos dois jipes robóticos Spirit e Opportunity, que perambulam pelo solo marciano há mais de um ano e meio.
Mas o engenheiro brasileiro acredita no sucesso. "A MRO é uma das missões mais importantes que mandaremos para Marte e ela vai continuar sendo nos próximos oito a dez anos", afirma.
Entre outras coisas, a nave ajudará a resolver alguns velhos mistérios marcianos, como revelar o que sobrou das sondas Mars Polar Lander (EUA, 1999) e Beagle-2 (Inglaterra, 2003), que se esborracharam na superfície daquele mundo ao tentar um pouso.
Também espera-se que ela indique locais de descida para futuras naves e, quiçá, ser a precursora das naves que escolherão os alvos para missões tripuladas em Marte. Pelo menos, é o que diz De Paula, que no entanto pensa que o envio de gente ao planeta vermelho ainda é um sonho muito distante. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
 

Folha - Há dois jipes operando desde o início de 2004 em Marte. Há a perspectiva de ver a Mars Reconnaissance Orbiter e os jipes Spirit e Opportunity trabalhando juntos, em coordenação?
Ramon de Paula -
A possibilidade existe, desde que os jipes estejam funcionando quando a MRO chegar a Marte e começar a sua fase operacional. Mas na verdade a única coisa que se pode tirar disso é testar a transmissão de informações entre os jipes e a MRO.

Folha - Existe uma expectativa muito grande de que a nova sonda solucione o mistério das perdas das sondas Mars Polar Lander, da Nasa, em 1999, e Beagle-2, dos britânicos, em 2003. Será mesmo possível ver o que restou dessas máquinas?
De Paula -
Sim, será possível ver o que restou das outras missões porque a câmera da MRO tem resolução de um metro. Podemos ver objetos com até um metro de tamanho. É a câmera mais sofisticada já enviada a outro planeta.

Folha - Imagens da perdida Mars Polar Lander podem impactar no planejamento da Phoenix, para 2007, que é basicamente uma "reedição" daquela missão?
De Paula -
O que vai acontecer é que imagens da MRO vão ajudar a selecionar o lugar mais apropriado para a Phoenix descer. Os problemas da Polar Lander já estão sendo corrigidos na Phoenix.

Folha - Qual é a melhor definição para a missão da MRO, e onde ela complementa o trabalho dos jipes Spirit e Opportunity, da Mars Global Surveyor e da Mars Odyssey?
De Paula -
A MRO é uma missão bem complexa e bem diferente da dos jipes. Vai estudar as estações do ano, a superfície e o subsolo, procurando gelo. Vai caracterizar completamente o clima, os ventos, as temperaturas. É uma completa caracterização dos aspectos geológicos de Marte, coisa que a Mars Global Surveyor também não podia fazer. E temos um instrumento que vai observar o subsolo a até 500 metros de profundidade à procura de gelo. Ele é complementar ao Marsis, na Mars Express [sonda européia já em órbita de Marte], que vê a profundidades maiores que 500 metros.

Folha - Existe a idéia de usar a MRO também como satélite de comunicação em Marte. Essa seria uma espécie de "piloto" para o projeto de ter um satélite 100% voltado para comunicações em Marte?
De Paula -
Realmente o piloto para isso foi a Odyssey. Cerca de 98% das informações dos jipes vieram através da Odyssey. Originalmente, pensávamos em lançar, já em 2009, um orbitador para telecomunicações, mas por limitações de orçamento, desistimos da idéia. A MRO deve servir nessa função por um bom tempo. Quem sabe mais tarde, em 2015, 2018? Só o tempo vai dizer. Não sabemos se conseguiremos justificar a necessidade de um satélite 100% voltado para comunicações.

Folha - Jim Garvin [cientista-chefe da Nasa] afirma que a idéia da Nasa é deixar as missões marcianas da próxima década ainda em aberto, para que seu planejamento pudesse ser guiado pelas futuras descobertas. A MRO deve ser a maior catalisadora disso?
De Paula -
Sim, a MRO deve ser mesmo a maior catalisadora do que fazer na próxima década. Ela vai revelar que outros lugares vamos querer explorar, que instrumentos vamos querer levar. A MRO é uma das missões mais importantes que mandaremos para Marte e ela vai continuar sendo nos próximos oito a dez anos.

Folha - A MRO também vai ser importante para o planejamento de futuras missões tripuladas?
De Paula -
Eu acho que uma missão tripulada não vai acontecer na próxima década. Eu diria que ela só vai poder acontecer em 2030, 2040. Até lá já haverá outros orbitadores mais sofisticados que vão apoiar a missão. Ainda há muita tecnologia a ser desenvolvida, muitos riscos a ser mitigados. Mas a MRO vai ser a "pathfinder" ["localizadora de caminhos", em inglês] desse processo.

Folha - O sr. hoje é executivo da missão do Mars Reconnaissance Orbiter no Quartel-General da Nasa. Como o sr. saiu daqui e foi parar aí?
De Paula -
Eu vim para os Estados Unidos quando eu tinha 17 anos, uma semana antes de completar 17. Meu pai veio trabalhar na Comissão Aeronáutica Brasileira, da Aeronáutica, aqui em Washington. Fiz meus estudos aqui, engenharia eletrônica, doutorado em engenharia nuclear, Ph.D., e então fui trabalhar no JPL. Depois do JPL, vim para o Quartel-General da Nasa, em Washington. Mas isso, claro, é resumir 35 anos em 30 segundos...


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