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O choque do micro com o macro
CÁSSIO LEITE VIEIRA
especial para a Folha
Em 1926, o físico austríaco Erwin
Schrödinger e o alemão Werner
Heisenberg apresentaram ao
mundo a chamada "nova" teoria
quântica, que prometia fornecer a
base teórica exata para descrever o
mundo do "muito pequeno".
O novo e poderoso instrumental
matemático veio com um recheio
de contradições e problemas conceituais. O modo como o físico dinamarquês Niels Bohr resolveu
esses problemas causou um certo
amargo no paladar de seu colega
alemão Albert Einstein.
O universo que Bohr havia então
criado feria o senso comum. Era
um mundo estranho para quem
vive em dimensões macroscópicas: elétrons, por exemplo, se dissolviam em ondas de probabilidade, sem realidade física alguma,
quando deixavam de ser observados; partículas comunicavam-se
de imediato, independentemente
das distâncias entre elas.
A nova microfísica violava um
princípio sagrado para Einstein: a
realidade local. Entenda-se como
"realidade" o fato de um elétron,
por exemplo, existir sem a necessidade de que alguém esteja olhando para ele. "Será que a Lua só
existe quando olhamos para
ela?", ironizou, com uma analogia macroscópica. Como "local",
fica subentendido que nada pode
viajar com velocidade superior à
da luz no vácuo (300 mil quilômetros por segundo), como Einstein
mostrara em 1905 com a teoria da
relatividade restrita.
Por séculos, o determinismo
guiou a física clássica, deixando
claro que, a cada instante, qualquer quantidade física tinha um
valor bem determinado. No mundo dos objetos atômicos, os fenômenos passaram a ser regidos pela
probabilidade, semelhante à que
rege um jogo de roleta num cassino. "Deus não joga dados com o
Universo", rebateu Einstein.
O debate Einstein-Bohr começou no final de 1920 e durou praticamente até a morte do primeiro.
Não foi um debate sobre o que é
(ou deve ser) uma teoria, mas sim
sobre a natureza do Universo e a
melhor maneira de descrevê-lo.
Aos poucos, as menores entidades do mundo causavam mais e
mais estranheza ao homem que
disciplinou o mundo do "imensamente grande" com sua relatividade geral. Einstein tentou como
pôde mostrar o absurdo lógico a
que levava a mecânica quântica,
que hoje é tida como a teoria científica mais bem-sucedida de todos
os tempos. A maioria dos cientistas ignora seus desdobramentos
filosóficos, "do mesmo modo que
um motorista não precisa saber o
que está debaixo do capô de um
carro para ir de A para B", como
resumiu o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958).
Sete décadas depois, os atores
mudaram, mas o debate ainda está
em cena.
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