São Paulo, domingo, 13 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O choque do micro com o macro

CÁSSIO LEITE VIEIRA
especial para a Folha

Em 1926, o físico austríaco Erwin Schrödinger e o alemão Werner Heisenberg apresentaram ao mundo a chamada "nova" teoria quântica, que prometia fornecer a base teórica exata para descrever o mundo do "muito pequeno".
O novo e poderoso instrumental matemático veio com um recheio de contradições e problemas conceituais. O modo como o físico dinamarquês Niels Bohr resolveu esses problemas causou um certo amargo no paladar de seu colega alemão Albert Einstein.
O universo que Bohr havia então criado feria o senso comum. Era um mundo estranho para quem vive em dimensões macroscópicas: elétrons, por exemplo, se dissolviam em ondas de probabilidade, sem realidade física alguma, quando deixavam de ser observados; partículas comunicavam-se de imediato, independentemente das distâncias entre elas.
A nova microfísica violava um princípio sagrado para Einstein: a realidade local. Entenda-se como "realidade" o fato de um elétron, por exemplo, existir sem a necessidade de que alguém esteja olhando para ele. "Será que a Lua só existe quando olhamos para ela?", ironizou, com uma analogia macroscópica. Como "local", fica subentendido que nada pode viajar com velocidade superior à da luz no vácuo (300 mil quilômetros por segundo), como Einstein mostrara em 1905 com a teoria da relatividade restrita.
Por séculos, o determinismo guiou a física clássica, deixando claro que, a cada instante, qualquer quantidade física tinha um valor bem determinado. No mundo dos objetos atômicos, os fenômenos passaram a ser regidos pela probabilidade, semelhante à que rege um jogo de roleta num cassino. "Deus não joga dados com o Universo", rebateu Einstein.
O debate Einstein-Bohr começou no final de 1920 e durou praticamente até a morte do primeiro. Não foi um debate sobre o que é (ou deve ser) uma teoria, mas sim sobre a natureza do Universo e a melhor maneira de descrevê-lo.
Aos poucos, as menores entidades do mundo causavam mais e mais estranheza ao homem que disciplinou o mundo do "imensamente grande" com sua relatividade geral. Einstein tentou como pôde mostrar o absurdo lógico a que levava a mecânica quântica, que hoje é tida como a teoria científica mais bem-sucedida de todos os tempos. A maioria dos cientistas ignora seus desdobramentos filosóficos, "do mesmo modo que um motorista não precisa saber o que está debaixo do capô de um carro para ir de A para B", como resumiu o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958).
Sete décadas depois, os atores mudaram, mas o debate ainda está em cena.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.