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MICRO/MACRO
A dualidade onda-partícula no mundo microscópico
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Outro dia, vasculhando velhos
papéis de família, me deparei
com um relatório de minha professora do maternal. Em clara e
bela caligrafia, ela dizia: "Marcelo adora brincar com blocos
de madeira. Sua outra atividade
favorita é a bandinha de música". Tentando me lembrar de
como eram as coisas quanto tinha 4 anos, percebi o quanto nós
não mudamos. Eu continuo
adorando música e brincando
com blocos de armar, aspectos
complementares de nossa descrição do mundo natural.
Nós representamos a estrutura
da matéria em termos de seus
"tijolos" ou blocos fundamentais, que chamamos de partículas elementares. Os mais familiares são os átomos dos elementos
químicos, que, por sua vez, são
compostos de elétrons em torno
de prótons e nêutrons no núcleo.
Já os prótons e nêutrons são
compostos de partículas ainda
mais fundamentais, os quarks.
Portanto, dizemos que os tijolos
fundamentais dos átomos são os
quarks e os elétrons. O termo
"fundamental" é usado quando
a partícula não é composta por
outras. No momento, conhecemos 12 partículas fundamentais.
Mas nenhuma construção pode existir sem uma cola. No caso
das partículas, as "colas" são as
interações entre elas, as forças
que as partículas exercem entre
si. Das quatro forças fundamentais da natureza, nós conhecemos bem duas; a força eletromagnética e a força gravitacional. Duas outras são ativas apenas em distâncias subatômicas; a
força fraca -responsável, entre
outras coisas, pelo decaimento
radioativo- e a força forte
-responsável por manter unido
o núcleo atômico e também os
quarks nos prótons e nêutrons.
As quatro forças também são
descritas por partículas elementares. As partículas de força são
"trocadas" durante uma interação entre as partículas de matéria, como jogadores passando
uma bola entre si (essa imagem é
sugestiva, mas não muito adequada). A mais famosa é o fóton,
a partícula responsável pela
transmissão da força eletromagnética. Quando dois elétrons sofrem uma repulsão elétrica (cargas iguais se repelem, cargas
opostas se atraem), eles estão
"trocando" fótons entre si. A física de partículas descreve o
mundo por interações entre partículas de matéria, efetuadas por
partículas de força. Mas essa é
apenas a metade da história.
Na natureza, tudo vibra. Ondas ou vibrações estão presentes
em todas as escalas, de oscilações atômicas ou moleculares,
passando por ondas de som ou
do mar, até oscilações em estrelas e outros objetos astrofísicos.
Com o desenvolvimento da
mecânica quântica nas primeiras décadas deste século, ficou
claro que as ondas aparecem até
nos componentes fundamentais
da matéria: as próprias partículas elementares, os blocos que
usamos para construir o mundo,
também podem ser descritos em
termos de ondas! "Mas como?", pergunta, indignado, o
leitor. "Onda e partícula são aspectos completamente distintos
do comportamento da matéria:
Uma partícula é uma entidade
localizada, que ocupa um ponto
ou pequeno volume no espaço.
Já uma onda é o oposto, algo que
se espalha no espaço. Como que
um objeto pode ser ambos?"
Esse problema, conhecido como dualidade onda-partícula, é
um dos aspetos mais fundamentais e intrigantes da mecânica
quântica. A crise vem da nossa
inabilidade de descrever sem
matemática o comportamento
bizarro dos objetos que habitam
o mundo do "muito pequeno".
Uma partícula se manifestará
como partícula ou onda dependendo de como testarmos sua
existência. Se, em uma experiência, os elétrons colidirem como
bolas de bilhar, eles se comportarão como partículas. Se a experiência for de difração, passando
os elétrons por fendas, eles se
manifestarão como ondas.
Onda e partícula são representações da realidade física desses
objetos, imagens mentais que
usamos para organizar o que observamos. No final, voltamos
aos nossos inocentes blocos de
armar e bandinhas de música.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo"
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