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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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EVOLUÇÃO

Mamífero de 125 milhões de anos tem a mesma idade do mais velho animal com placenta e complica origens do grupo

Fóssil da China é o marsupial mais antigo

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os dinossauros não devem ter nem notado o diminuto Sinodelphys szalayi, de 15 centímetros e 30 gramas, que viveu em meio aos gigantes há 125 milhões de anos, mas o animal acaba de provar que tinha um belo futuro. Ele é o mais antigo mamífero marsupial, ancestral de centenas de espécies, e sua descoberta sugere que os principais mamíferos de hoje têm uma origem ainda mais antiga do que se imaginava.
Isso é muito provável porque o fóssil chinês tem a mesma idade, o mesmo tamanho, a mesma adaptação para escalar árvores e vem do mesmo lugar que o mais antigo mamífero placentário, o Eomaia scansoria -cujos filhotes cresciam dentro de uma bolsa no útero materno, como ocorre com os humanos. Mesmo assim, os dois já seguiam caminhos evolutivos separados, e o desafio agora é saber onde a estrada bifurcou.
Para completar a série de coincidências, ambos os tataravôs mamíferos (marsupial e placentário) foram descritos pelos mesmos pesquisadores. São o chinês Zhe-Xi Luo e o americano John Wible, do Museu Carnegie de História Natural, em Pittsburgh (Estado norte-americano da Pensilvânia), além de colegas na China.
"O que é interessante em termos biológicos e evolutivos é que você esperaria que os ancestrais de marsupiais e placentários se diversificassem a partir de um ancestral comum, no mesmo lugar. E é exatamente isso que nós estamos vendo aí", disse à Folha Luo (pronuncia-se "lau"), 55. O trabalho saiu ontem na revista "Science" (www.sciencemag.org).

Pais apressados
Os marsupiais são um grupo numeroso, presente na Austrália, na Nova Guiné e nas Américas. Seus filhotes nascem muito rápido, quando ainda são meros fetos, e terminam de se desenvolver, em geral, dentro de uma bolsa externa, ou marsúpio, como o dos cangurus -daí o nome do grupo. No Brasil, há dezenas de espécies do grupo: os gambás e as cuícas.
Como outros fósseis da província chinesa de Liaoning, o S. szalayi impressiona pelo grau de preservação: além do esqueleto quase completo, dá para ver tecidos moles e até pêlos do animal. "Essencialmente, aquilo foi uma Pompéia do Mesozóico [a era dos dinossauros]", explica Luo. Como a cidade romana, os bichos da região receberam doses cavalares de cinza vulcânica que os mataram de chofre e os preservaram.
Tudo isso permitiu à equipe observar detalhes de anatomia, em especial nos ossos do pulso e do tornozelo do animal, que foram cruciais para classificá-lo entre os marsupiais. "A divisão evolutiva está bem no começo, mas nós já temos traços suficientes para diferenciá-los", diz Luo. Até então, os mais velho fósseis marsupiais bem-preservados eram 50 milhões de anos mais novos.
Os detalhes dos membros do fóssil também sugerem que a criatura era exímia escaladora, adaptada a uma vida nas árvores, e comedora de insetos. Parece ter sido a rota mais adequada de fuga dos grandes répteis que dominavam o solo -tanto que também foi adotada pelos primeiros placentários.
Luo, no entanto, se diz seguro sobre o parentesco do S. szalayi. "Muitas dessas características comuns são exigências do tamanho pequeno e da ancestralidade comum que eles partilham. Mas, para nós, é importante olhar para as características que são derivadas, ou seja, mais especializadas."
Outro mistério que ainda confunde as duas linhagens de 125 milhões de anos, no entanto, é o famigerado marsúpio. O Eomaia scansoria, apesar de placentário, tinha os chamados ossos epipúbicos (em volta do púbis), que poderiam servir de apoio para essa bolsa. O mesmo acontece com o novo fóssil, embora o significado disso ainda seja incerto, pondera Luo: "Há uma teoria de que esses ossos poderiam servir apenas como locais de ligação para os músculos das pernas".
Como se não bastassem essas interrogações, o novo achado reforça outro paradoxo. A imensa maioria dos marsupiais de hoje está no hemisfério Sul, mas todos os fósseis indicam que o começo da evolução dos bichos se deu na Eurásia. Difícil é responder como o salto foi feito. "Agora, pelo menos, temos um novo ponto de partida para tentar resolver isso", afirma Luo.


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