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EVOLUÇÃO
Mamífero de 125 milhões de anos tem a mesma idade do mais velho animal com placenta e complica origens do grupo
Fóssil da China é o marsupial mais antigo
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os dinossauros não devem ter
nem notado o diminuto Sinodelphys szalayi, de 15 centímetros
e 30 gramas, que viveu em meio
aos gigantes há 125 milhões de
anos, mas o animal acaba de provar que tinha um belo futuro. Ele
é o mais antigo mamífero marsupial, ancestral de centenas de espécies, e sua descoberta sugere
que os principais mamíferos de
hoje têm uma origem ainda mais
antiga do que se imaginava.
Isso é muito provável porque o
fóssil chinês tem a mesma idade, o
mesmo tamanho, a mesma adaptação para escalar árvores e vem
do mesmo lugar que o mais antigo mamífero placentário, o Eomaia scansoria -cujos filhotes
cresciam dentro de uma bolsa no
útero materno, como ocorre com
os humanos. Mesmo assim, os
dois já seguiam caminhos evolutivos separados, e o desafio agora é
saber onde a estrada bifurcou.
Para completar a série de coincidências, ambos os tataravôs mamíferos (marsupial e placentário)
foram descritos pelos mesmos
pesquisadores. São o chinês Zhe-Xi Luo e o americano John Wible,
do Museu Carnegie de História
Natural, em Pittsburgh (Estado
norte-americano da Pensilvânia),
além de colegas na China.
"O que é interessante em termos biológicos e evolutivos é que
você esperaria que os ancestrais
de marsupiais e placentários se
diversificassem a partir de um ancestral comum, no mesmo lugar.
E é exatamente isso que nós estamos vendo aí", disse à Folha Luo
(pronuncia-se "lau"), 55. O trabalho saiu ontem na revista "Science" (www.sciencemag.org).
Pais apressados
Os marsupiais são um grupo
numeroso, presente na Austrália,
na Nova Guiné e nas Américas.
Seus filhotes nascem muito rápido, quando ainda são meros fetos,
e terminam de se desenvolver, em
geral, dentro de uma bolsa externa, ou marsúpio, como o dos cangurus -daí o nome do grupo. No
Brasil, há dezenas de espécies do
grupo: os gambás e as cuícas.
Como outros fósseis da província chinesa de Liaoning, o S. szalayi impressiona pelo grau de preservação: além do esqueleto quase
completo, dá para ver tecidos moles e até pêlos do animal. "Essencialmente, aquilo foi uma Pompéia do Mesozóico [a era dos dinossauros]", explica Luo. Como a
cidade romana, os bichos da região receberam doses cavalares de
cinza vulcânica que os mataram
de chofre e os preservaram.
Tudo isso permitiu à equipe observar detalhes de anatomia, em
especial nos ossos do pulso e do
tornozelo do animal, que foram
cruciais para classificá-lo entre os
marsupiais. "A divisão evolutiva
está bem no começo, mas nós já
temos traços suficientes para diferenciá-los", diz Luo. Até então, os
mais velho fósseis marsupiais
bem-preservados eram 50 milhões de anos mais novos.
Os detalhes dos membros do
fóssil também sugerem que a criatura era exímia escaladora, adaptada a uma vida nas árvores, e comedora de insetos. Parece ter sido
a rota mais adequada de fuga dos
grandes répteis que dominavam o
solo -tanto que também foi adotada pelos primeiros placentários.
Luo, no entanto, se diz seguro
sobre o parentesco do S. szalayi.
"Muitas dessas características comuns são exigências do tamanho
pequeno e da ancestralidade comum que eles partilham. Mas, para nós, é importante olhar para as
características que são derivadas,
ou seja, mais especializadas."
Outro mistério que ainda confunde as duas linhagens de 125
milhões de anos, no entanto, é o
famigerado marsúpio. O Eomaia
scansoria, apesar de placentário,
tinha os chamados ossos epipúbicos (em volta do púbis), que poderiam servir de apoio para essa
bolsa. O mesmo acontece com o
novo fóssil, embora o significado
disso ainda seja incerto, pondera
Luo: "Há uma teoria de que esses
ossos poderiam servir apenas como locais de ligação para os músculos das pernas".
Como se não bastassem essas
interrogações, o novo achado reforça outro paradoxo. A imensa
maioria dos marsupiais de hoje
está no hemisfério Sul, mas todos
os fósseis indicam que o começo
da evolução dos bichos se deu na
Eurásia. Difícil é responder como
o salto foi feito. "Agora, pelo menos, temos um novo ponto de
partida para tentar resolver isso",
afirma Luo.
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