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PSIQUIATRIA
Substâncias atuam nos mesmos sistemas cerebrais que os antidepressivos; EUA e Suíça fazem primeiros testes
Alucinógeno pode tratar doença mental
SANDRA BLAKESLEE
DO "THE NEW YORK TIMES"
Drogas alucinógenas como o
LSD e o peiote -lembradas como os "brinquedos" da geração
hippie- estão cada vez mais
atraindo o interesse de neurologistas e psiquiatras. Eles querem
testar a idéia de que elas podem
ser ferramentas valiosas no tratamento de várias doenças mentais.
Cientistas como David E. Nichols, professor de farmacologia
em Purdue, Indiana, acreditam
que o potencial dessas drogas deve ser investigado. Especialista em
drogas alucinógenas, Nichols conhece relatos de que sintomas de
transtorno obsessivo-compulsivo, como lavar as mãos dezenas
de vezes por dia, somem sob o
efeito da psilocibina, alucinógeno
derivado de cogumelos.
A ayahuasca (bebida alucinógena amazônica consumida por seitas religiosas como o Santo Daime
e a União do Vegetal) e o peiote
(derivado de um cacto) ajudaram
alcoólatras a permanecer sóbrios.
Nichols é o fundador do Instituto Heffer de Pesquisas, inaugurado em 1993 e batizado em homenagem a Arthur Heffer, químico
do século 19 que foi o primeiro a
identificar uma molécula alucinógena, a mescalina, extraída do
peiote. O instituto está financiando testes com LSD, psilocibina e
outros alucinógenos para tratar
fobias, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo e mesmo dependência química.
Nichols afirmou que há testes
planejados ou em execução na
Suíça, na Rússia e nos EUA.
Muitas mudanças aconteceram
no meio século que se passou desde que o LSD foi usado pela primeira vez. A psiquiatria moderna
acolheu drogas que afetam as
mesmas moléculas do cérebro
que são atingidas pelos alucinógenos. As ferramentas para estudar
a química do sistema nervoso são
de longe mais avançadas do que
no tempo dos hippies.
Além disso, muitas pessoas que
detêm o poder político e científico
hoje cresceram durante a década
de 60 e, ao contrário de seus pais,
não têm medo de alucinógenos.
Aumentando o volume
Essas drogas funcionam mudando os níveis da serotonina,
um mensageiro químico do sistema nervoso envolvido na modulação de vários estados cerebrais,
como o bem-estar e o apetite.
Antidepressivos como o Prozac
também agem na serotonina. Eles
fazem com que ela permaneça
nos espaços que há entre as células do cérebro. Os alucinógenos
são chamados agonistas de serotonina -moléculas parecidas
com a serotonina natural que,
quando tomadas em doses altas,
disparam o sistema serotoninérgico, tornando vários outros sistemas cerebrais mais sensíveis. "É
como aumentar o volume do rádio", disse Nichols.
Muito pouco é conhecido sobre
como os alucinógenos poderiam
ser usados em terapia. "A primeira coisa que queremos saber é se
eles são seguros", disse Nichols.
John Halpern, psiquiatra do Hospital McLean em Boston, EUA,
está tentando responder a essa
questão num estudo que envolverá membros da Igreja Nativa
Americana. Como parte de rituais
religiosos, eles tomam peiote em
grupo mas não usam nenhuma
outra droga, nem mesmo o álcool.
Usando uma bateria de testes
para saúde social e mental, três
grupos de índios americanos
-70 membros da igreja, 70 alcoólatras e 70 pessoas de comunidades locais no sudoeste do
país- estão sendo acompanhados por até três anos. O objetivo é
verificar se usuários de peiote são
mais saudáveis do que os outros.
Ayahuasca contra álcool
Estudos parecidos no Brasil
mostram que alcoólatras violentos que tomavam ayahuasca num
contexto ritual geralmente pararam de beber e tinham níveis mais
altos de serotonina no sangue. Isso pode refletir um aumento no
nível de serotonina do cérebro.
Francisco Moreno, um psiquiatra da Universidade do Arizona, e
seus colegas têm uma permissão
do conselho do hospital onde trabalham e esperam aprovação final da FDA (a agência que administra alimentos e remédios nos
EUA) para conduzir um estudo
sobre transtorno obsessivo-compulsivo e psilocibina.
"Queremos saber se a psilocibina pode mesmo reduzir sintomas
e, caso possa, quanto uma pessoa
precisa tomar", disse Moreno. Na
Universidade de Zurique, Suíça
(país onde foi inventado o LSD),
Franz Vollenweider tem permissão do governo para explorar alucinógenos no tratamento da esquizofrenia. "Estamos interessados na natureza da consciência de
si próprio que guia o comportamento humano", disse.
"Se os alucinógenos um dia virarem "mainstream" na medicina,
e eu tenho certeza de que virarão,
eles nunca serão receitados como
é o Prozac", disse George Greer,
diretor médico do Instituto Heffer. "As pessoas precisarão de
orientação. Essas não são drogas
que você prescreve todo dia."
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