São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2001

Texto Anterior | Índice

SAÚDE

Medicamento deve chegar ao mercado em um ano

Nova droga combate pressão alta e paradas cardíacas em negros

SALVADOR NOGUEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Embora a ocorrência de várias doenças se distribua de forma irregular entre as etnias, a indústria farmacêutica até hoje se mostrou indiferente a esse detalhe. Agora, o status quo parece estar mudando, e o pontapé inicial deve ser dado por um novo medicamento, voltado para o combate de problemas cardíacos em negros.
A nova droga -chamada BiDil- está a um passo de obter autorização da FDA (agência que regula medicamentos nos EUA) para ser comercializada. "Os últimos testes começarão no mês que vem e devem durar um ano. Podemos já ter a autorização no fim de 2002", disse à Folha Jay Cohn, o cardiologista da Universidade de Minnesota que criou a droga.
Negros estão mais sujeitos que caucasianos a hipertensão e paradas cardíacas principalmente por deficiência de óxido nítrico, segundo Cohn. Essa substância age no organismo como um vasodilatador, baixando a pressão.
O óxido também é necessário ao funcionamento de outros medicamentos comuns usados contra pressão alta -os inibidores de ECA (enzima de conversão da angiotensina). Essas enzimas são responsáveis pela constrição (compressão) dos vasos sanguíneos, o que ocasiona hipertensão.
Os inibidores suprimem a ação das enzimas, mantendo a pressão sob controle -mas só quando há óxido nítrico disponível.
O BiDil é classificado justamente como um doador de óxido nítrico. Ou seja, ele se propõe a dilatar os vasos, fornecendo o óxido nítrico necessário. Os testes de Cohn, que trabalha na droga desde 1980, mostram que os negros reagem melhor ao BiDil, enquanto brancos apresentam melhores resultados ao usar os inibidores.
"A droga prolongou a vida entre os negros, mas não ofereceu benefício significativo entre os caucasianos", conta o cardiologista. Os testes foram feitos com grupos de 640 e 800 pessoas, dentre os quais 25% eram negros.
Mesmo assim, o número de pacientes envolvidos é pequeno para ser definitivo. "É sem dúvida uma pista a ser seguida, mas não é conclusivo", afirma Antonio Carlos Carvalho, professor de cardiologia da Unifesp. Ele aponta que peculiaridades dos pacientes não relacionadas à etnia poderiam causar desvios nos resultados.
Aliás, a execução dos grandes testes para a posterior liberação da droga no mercado foi, por muito tempo, a maior dificuldade da pesquisa. "Os primeiros testes foram financiados pelo governo federal, mas não havia recursos para grandes testes", diz Cohn.
No ano passado o problema foi resolvido quando ele licenciou o uso de sua patente para a Nitromed, a empresa que está bancando a bateria final de testes.
Cohn espera que seus testes incentivem a indústria farmacêutica a investir em diferenças étnicas na hora de testar seus medicamentos. "Todos os estudos com drogas deveriam levar em conta os resultados nos diferentes grupos raciais. Isso não costumava ser feito antes, mas há um grande mercado se abrindo para drogas mais específicas."
Uma das qualidades do novo medicamento é que ele reúne duas drogas conhecidas em uma, o isosorbido dinitrato e a hidralazina. "Quanto menos comprimidos o paciente toma, mais fácil fica de administrar o tratamento", afirma Eulogio Emilio Martinez Filho, cardiologista do Incor (Instituto do Coração), em São Paulo.
Essas drogas já eram usadas para o tratamento de hipertensão e insuficiência cardíaca, mas exigiam que o paciente ingerisse mais comprimidos. O menor número de drogas faz com que a aderência do paciente ao tratamento seja maior, ou seja, causa menos desistências.


Texto Anterior: Espaço: Computador principal da estação Mir é religado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.