São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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CIÊNCIA
Pesquisa indica que egípcios já desenvolviam produtos de beleza em "laboratório" há mais de 3.000 anos
Cosmética antiga

Reprodução
Mulheres em banquete, maquiadas com rímel e outros cosméticos, em pintura mural de sepultura egípcia


RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Uma pesquisa com restos de cosméticos em recipientes do Museu do Louvre, em Paris, indicou que os egípcios já sabiam fabricar os melhores produtos de beleza do mundo antigo bem antes que a rainha Cleópatra, vivida no cinema pela atriz Elizabeth Taylor, experimentasse seu primeiro rímel.
Agora ficou mais fácil entender como ela conseguiu conquistar dois dos mais importantes generais romanos, Júlio César e Marco Antônio, mudando a história do planeta.
Cleópatra, uma hábil política, mas também autora de um famoso livro sobre beleza, tinha uma tradição milenar de fabricação de cosméticos para ajudá-la.
O rímel, conhecido na antiguidade como "kohl", era um dos produtos de beleza mais importantes. A ele se devem os olhos amendoados das figuras de egípcias nas pinturas nas paredes de templos e pirâmides.
Cleópatra 7ª, a que conquistou César e Antônio e teve de se suicidar por não conseguir fazer o mesmo com Otávio Augusto, viveu no século 1 antes da era Cristã. E, infelizmente para sua reputação póstuma, seu livro está desaparecido, apesar de ter tido resenhas muito favoráveis na antiguidade.
Os cosméticos analisados agora, que mostram uma insuspeita capacidade industrial do Egito antigo, são datados do período 2.000 a.C. a 1.200 a.C.
A pesquisa não saiu em uma revista feminina, mas em uma das mais importantes publicações de ciência, a britânica "Nature".
A equipe de pesquisadores foi chefiada por P. Walter, do Laboratório de Pesquisa dos Museus da França, e incluiu pessoal da empresa de produtos de beleza L"Oréal e de um laboratório de radiação europeu, o Centro Europeu de Radiação Síncrotron, de Grenoble (França).
Trata-se de uma pesquisa que envolve várias disciplinas científicas, desde a arqueologia, responsável por descobrir os artefatos de beleza antigos, até a química de cosméticos -algo em que a L'Oréal tem muita experiência- ou a cristalografia, a análise físico-química dos materiais feita nesse laboratório de radiação síncrotron (uma "luz" que "ilumina" a estrutura das substâncias).
A pesquisa provou que os restos de cosméticos com base em chumbo encontrados nos recipientes do Louvre foram obra de processos químicos sofisticados, e não só da extração de produtos naturais.
Os cosméticos estavam bem preservados nos recipientes, feitos basicamente de pedra, cerâmica ou madeira.
Os egípcios e egípcias -os homens também usavam maquiagem- tinham à disposição cosméticos de cor verde, branca e preta, além daqueles avermelhados que usavam no rosto (os ancestrais do moderno "rouge").
O estudo da composição mineral dos cosméticos indicou a presença de dois minerais comuns na natureza, a galena (sulfeto de chumbo) e a cerusita (carbonato de chumbo). Mas os pesquisadores também acharam dois produtos inesperados: laurionita e fosgenita.
"Porque elas não são nem minérios naturalmente extraídos, nem produtos resultantes de envelhecimento ou modificação química, a laurionita e a fosgenita parecem ser produtos manufaturados pelos egípcios usando química "molhada" ", escreveram os autores do estudo na "Nature".
Por química "molhada" se entendem os processos que envolvem conhecimentos relacionados a reações químicas e seus produtos, algo em geral feito em meio líquido e que a ciência só entendeu na era moderna, apesar de ser experimentalmente usado pela humanidade desde a antiguidade.
Os pesquisadores procuraram checar se essas substâncias não teriam sido formadas de modo natural, e concluíram que não. E também checaram fórmulas de produtos relatadas por autores antigos, repetiram os experimentos em laboratório e concluíram que o resultado poderia ser a formação das duas substâncias inesperadas.
"Os egípcios fabricavam compostos de chumbo artificialmente e os adicionavam separadamente ao cosmético", dizem os autores, em um processo que envolve reações químicas simples, mas de difícil obtenção tecnológica, por envolver passos repetitivos. A dificuldade demonstra a importância que Cleópatra e suas amiga concediam aos produtos de beleza.


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