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AMBIENTE
Pioneiro dos alertas sobre erosão da biodiversidade, cientista britânico se diz pessimista com aquecimento global
Para Myers, planeta perde guerra do clima
Arquivo Pessoal Norman Myers
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O britânico Norman Myers, que foi um dos primeiros a chamar a atenção para a perda da diversidade biológica no planeta |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Enquanto norte-americanos e
britânicos vencem no Iraque,
uma outra guerra vai sendo perdida no mundo: a do ambiente. E
o conflito atual no Oriente Médio
só tende a agravar a situação.
A opinião é do britânico Norman Myers, 68, um dos cientistas
ambientais mais influentes do
mundo. Pesquisador-associado
do Green College, da Universidade de Oxford, Myers inspirou o
movimento ambientalista ao fazer a primeira estimativa da taxa
global de extinções, em 1979. Seus
trabalhos sobre biodiversidade
deram origem, ainda, ao conceito
de "hotspots", as zonas prioritárias para investir em conservação.
Myers se diz pessimista com os
efeitos da guerra e das políticas da
Casa Branca, especialmente sobre
os esforços para combater o aquecimento global -que dependem
da eliminação dos combustíveis
fósseis, como o petróleo.
"Embora estejamos ganhando
algumas batalhas, vamos perdendo a guerra a longo prazo."
Em entrevista à Folha, ele falou
sobre guerra, subsídios e hábitos
de consumo.
Folha - Essa guerra é anacrônica
ou o debate global sobre o clima
tem ignorado a geopolítica?
Norman Myers - Eu acho que o
debate global sobre o clima tem
ignorado amplamente a geopolítica global. Se, por um lado, há
evidência científica e econômica o
bastante para concluir que nós
deveríamos nos afastar dos combustíveis fósseis, incluindo o petróleo, o mais rápido possível, os
líderes políticos do mundo parecem cada vez mais inclinados a
queimar carvão e petróleo.
Folha - A guerra sinaliza uma sentença de morte para a entrada em
vigor do Protocolo de Kyoto [acordo de 1997 para redução de gases
do aquecimento global", já que até
o Reino Unido aderiu a ela?
Myers - Eu não colocaria nesses
termos. A Rússia concordou em
ratificar o acordo. Há agora países
em quantidade suficiente na economia energética global para colocá-lo em ação. Claro, é lamentável que não tenhamos a liderança
política dos EUA -a situação é
exatamente oposta-, mas há
muitos países e muitas companhias que levam o aquecimento
global a sério e estão empenhados
em eliminar combustíveis fósseis.
Folha - O sr. publicou recentemente trabalho na revista "PNAS"
no qual faz alerta sobre os danos ao
ambiente do aumento da frota de
carros nos países subdesenvolvidos. Não é em essência o argumento dos EUA para não aderir a Kyoto?
Myers - Eu acho que enfatizei no
trabalho que, se o assim chamado
mundo desenvolvido -eu prefiro chamá-lo de mundo mal desenvolvido- não fizer um esforço para cortar seus próprios hábitos de consumo, especialmente
no que se refere a carros e emissões de dióxido de carbono, não
há o que fazer em relação aos assim chamados países em desenvolvimento. Mas eu argumentei
também que, se esses países mergulharem numa cultura automobilística, como a China tem feito,
isso terá consequências adversas
grandes, tanto no plano ambiental quanto no econômico.
Folha - Mas como mudar os hábitos de consumo dentro das regras
do mercado livre?
Myers - Eu acho que deve haver
algum grau de regulação de cima
para baixo, em um aspecto específico: os governos devem se livrar
dos enormes subsídios que
apóiam a indústria automobilística e o petróleo como o combustível principal. O mercado de transportes não é de jeito nenhum livre, aberto ou competitivo. É
muito dirigido em favor dos combustíveis fósseis e dos automóveis. No Reino Unido e nos EUA,
para cada dólar de subsídio que
vai para o transporte público, há
10 ou 15 dólares de subsídio que
vão para a indústria automobilística. Os governos têm de intervir
para nivelar o campo de jogo.
Folha - Mas, para que isso aconteça, é preciso que os governos
atuem de uma maneira forte, ou
que a OMC atue.
Myers - A OMC não tem feito
muita coisa até agora para acabar
com os subsídios... Subsídios em
seis setores hoje são perversos,
não só ruins para o ambiente, como também para a economia. São
US$ 2 trilhões por ano. Isso representa uma distorção extrema da
economia. E a OMC deveria estar
fazendo alguma coisa a respeito.
Folha - E não faz.
Myers - Porque esses subsídios
perversos são respaldados por
lobbies poderosos nos EUA. Em
Washington, há 80 mil lobbistas
para 650 membros do Congresso.
Esses lobbies gastam US$ 100 bilhões por mês para apoiar seus interesses, como o do petróleo.
Folha - Uma vez que os EUA tomem conta dos campos de petróleo
iraquianos e o preço do óleo caia no
planeta, será mais difícil adotar
tecnologias limpas, como carros a
hidrogênio, não?
Myers - Sim, será difícil. Mas no
Japão há modelos da Toyota e da
Honda que têm motores híbridos
e que estão sendo subsidiados pelas empresas, porque elas acham
que podem abocanhar uma fatia
grande de mercado.
Folha - Os economistas ambientais têm sido ingênuos em tentar
incluir as chamadas "externalidades" nas contas da economia?
Myers - É difícil. Mas, veja, o
princípio do poluidor-pagador
tem sido adotado pelo Banco
Mundial e pela OECD. Tem sido
aplicado a fábricas, não a carros,
com sucesso, embora não seja
aplicado tão amplamente quanto
deveria. Acho que, no geral, a situação está declinando tanto que,
embora estejamos ganhando algumas batalhas, vamos perdendo
a guerra a longo prazo.
Folha - Então, sua perspectiva
não é otimista.
Myers - Não é. Mas estou convencido de que... veja, nós ganhamos algumas batalhas importantes no ambiente. O protocolo [de
Montréal" sobre a camada de ozônio foi uma vitória fantástica. Em
1989, eu não teria apostado que,
em dez anos, nós teríamos visto o
fim do Muro de Berlim e da Guerra Fria. É impressionante o que os
políticos podem conseguir.
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