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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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AMBIENTE

Pioneiro dos alertas sobre erosão da biodiversidade, cientista britânico se diz pessimista com aquecimento global

Para Myers, planeta perde guerra do clima

Arquivo Pessoal Norman Myers
O britânico Norman Myers, que foi um dos primeiros a chamar a atenção para a perda da diversidade biológica no planeta


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Enquanto norte-americanos e britânicos vencem no Iraque, uma outra guerra vai sendo perdida no mundo: a do ambiente. E o conflito atual no Oriente Médio só tende a agravar a situação.
A opinião é do britânico Norman Myers, 68, um dos cientistas ambientais mais influentes do mundo. Pesquisador-associado do Green College, da Universidade de Oxford, Myers inspirou o movimento ambientalista ao fazer a primeira estimativa da taxa global de extinções, em 1979. Seus trabalhos sobre biodiversidade deram origem, ainda, ao conceito de "hotspots", as zonas prioritárias para investir em conservação.
Myers se diz pessimista com os efeitos da guerra e das políticas da Casa Branca, especialmente sobre os esforços para combater o aquecimento global -que dependem da eliminação dos combustíveis fósseis, como o petróleo.
"Embora estejamos ganhando algumas batalhas, vamos perdendo a guerra a longo prazo."
Em entrevista à Folha, ele falou sobre guerra, subsídios e hábitos de consumo.

Folha - Essa guerra é anacrônica ou o debate global sobre o clima tem ignorado a geopolítica?
Norman Myers -
Eu acho que o debate global sobre o clima tem ignorado amplamente a geopolítica global. Se, por um lado, há evidência científica e econômica o bastante para concluir que nós deveríamos nos afastar dos combustíveis fósseis, incluindo o petróleo, o mais rápido possível, os líderes políticos do mundo parecem cada vez mais inclinados a queimar carvão e petróleo.

Folha - A guerra sinaliza uma sentença de morte para a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto [acordo de 1997 para redução de gases do aquecimento global", já que até o Reino Unido aderiu a ela?
Myers -
Eu não colocaria nesses termos. A Rússia concordou em ratificar o acordo. Há agora países em quantidade suficiente na economia energética global para colocá-lo em ação. Claro, é lamentável que não tenhamos a liderança política dos EUA -a situação é exatamente oposta-, mas há muitos países e muitas companhias que levam o aquecimento global a sério e estão empenhados em eliminar combustíveis fósseis.

Folha - O sr. publicou recentemente trabalho na revista "PNAS" no qual faz alerta sobre os danos ao ambiente do aumento da frota de carros nos países subdesenvolvidos. Não é em essência o argumento dos EUA para não aderir a Kyoto?
Myers -
Eu acho que enfatizei no trabalho que, se o assim chamado mundo desenvolvido -eu prefiro chamá-lo de mundo mal desenvolvido- não fizer um esforço para cortar seus próprios hábitos de consumo, especialmente no que se refere a carros e emissões de dióxido de carbono, não há o que fazer em relação aos assim chamados países em desenvolvimento. Mas eu argumentei também que, se esses países mergulharem numa cultura automobilística, como a China tem feito, isso terá consequências adversas grandes, tanto no plano ambiental quanto no econômico.

Folha - Mas como mudar os hábitos de consumo dentro das regras do mercado livre?
Myers -
Eu acho que deve haver algum grau de regulação de cima para baixo, em um aspecto específico: os governos devem se livrar dos enormes subsídios que apóiam a indústria automobilística e o petróleo como o combustível principal. O mercado de transportes não é de jeito nenhum livre, aberto ou competitivo. É muito dirigido em favor dos combustíveis fósseis e dos automóveis. No Reino Unido e nos EUA, para cada dólar de subsídio que vai para o transporte público, há 10 ou 15 dólares de subsídio que vão para a indústria automobilística. Os governos têm de intervir para nivelar o campo de jogo.

Folha - Mas, para que isso aconteça, é preciso que os governos atuem de uma maneira forte, ou que a OMC atue.
Myers -
A OMC não tem feito muita coisa até agora para acabar com os subsídios... Subsídios em seis setores hoje são perversos, não só ruins para o ambiente, como também para a economia. São US$ 2 trilhões por ano. Isso representa uma distorção extrema da economia. E a OMC deveria estar fazendo alguma coisa a respeito.

Folha - E não faz.
Myers -
Porque esses subsídios perversos são respaldados por lobbies poderosos nos EUA. Em Washington, há 80 mil lobbistas para 650 membros do Congresso. Esses lobbies gastam US$ 100 bilhões por mês para apoiar seus interesses, como o do petróleo.

Folha - Uma vez que os EUA tomem conta dos campos de petróleo iraquianos e o preço do óleo caia no planeta, será mais difícil adotar tecnologias limpas, como carros a hidrogênio, não?
Myers -
Sim, será difícil. Mas no Japão há modelos da Toyota e da Honda que têm motores híbridos e que estão sendo subsidiados pelas empresas, porque elas acham que podem abocanhar uma fatia grande de mercado.

Folha - Os economistas ambientais têm sido ingênuos em tentar incluir as chamadas "externalidades" nas contas da economia?
Myers -
É difícil. Mas, veja, o princípio do poluidor-pagador tem sido adotado pelo Banco Mundial e pela OECD. Tem sido aplicado a fábricas, não a carros, com sucesso, embora não seja aplicado tão amplamente quanto deveria. Acho que, no geral, a situação está declinando tanto que, embora estejamos ganhando algumas batalhas, vamos perdendo a guerra a longo prazo.

Folha - Então, sua perspectiva não é otimista.
Myers -
Não é. Mas estou convencido de que... veja, nós ganhamos algumas batalhas importantes no ambiente. O protocolo [de Montréal" sobre a camada de ozônio foi uma vitória fantástica. Em 1989, eu não teria apostado que, em dez anos, nós teríamos visto o fim do Muro de Berlim e da Guerra Fria. É impressionante o que os políticos podem conseguir.


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