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ARQUEOLOGIA
Documento contrabandeado teve direitos vendidos à National Geographic por suíça com passagem pela polícia
Dúvida cerca origem de Evangelho de Judas
BARRY MEIER
JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"
Quando a National Geographic
anunciou com pompa e circunstância, na semana passada, que
havia obtido acesso a um documento de 1.700 anos conhecido
como o Evangelho de Judas, ela
descreveu como o manuscrito,
desenterrado no Egito três décadas atrás, atravessou as ruelas
sombrias do mercado de antigüidades e foi parar nas mãos de uma
comerciante de artes suíça que o
"resgatou" da obscuridade.
Mas essa é só parte da história.
A negociante foi, ela mesma, detida anos atrás numa investigação
sobre contrabando de antigüidades italianas. E, sem conseguir
vender o evangelho no mercado
privado, ela fechou acordo com
uma fundação dirigida por seu
advogado -pelo qual ela poderia
ganhar tanto quanto ou mais do
que com a venda frustrada.
Mais tarde, a National Geographic Society pagou a fundação para restaurar o manuscrito, e comprou os direitos do texto e a exclusividade de noticiar a sua descoberta. Como parte do trato com a
fundação, a negociante Frieda
Tchacos Nussberger pode ganhar
até US$ 2 milhões com os projetos
da National Geographic.
Os detalhes sobre a descoberta
do manuscrito são nebulosos. Segundo a National Geographic, ele
foi achado por lavradores numa
caverna egípcia em 1970, vendido
a um negociante e passou por várias mãos na Europa e nos EUA.
Questões legais sobre esse trânsito também são vagas.
Ninguém questiona a autenticidade do documento, escrito em
língua copta, que retrata Judas
não como um traidor mas como o
discípulo favorito de Jesus.
Mas os detalhes que emergem
estão causando preocupação entre os arqueólogos, em tempos de
um escrutínio cada vez maior sobre os vendedores de antigüidades e os museus que as compram.
Também põem em dúvida a completude da apresentação, por parte da National Geographic, de indivíduos como Tchacos, e a transparência quanto aos relacionamentos financeiros envolvidos.
Terry Garcia, um dos vice-presidentes da sociedade, disse que a
organização havia "ouvido alguns
rumores" sobre possíveis problemas legais envolvendo Tchacos,
mas não os pôde confirmar. Ele
também ressaltou que a organização abriu informações sobre sua
relação com a fundação, a Maecenas Foundation for Ancient Art.
Garcia disse que o histórico de
Tchacos não é relevante para a
história do Evangelho de Judas, e
que a National Geographic abraçou o projeto pela oportunidade
de salvar um documento único.
Mas acadêmicos contrários ao
comércio de antigüidades se disseram perturbados pelo episódio.
"Estamos lidando com um objeto
contrabandeado", disse Jane
Waldbaum, presidente do Instituto Arqueológico da América.
"O artefato foi maltratado durante anos porque as pessoas que o tinham nas mãos estavam mais interessadas em ganhar dinheiro
que em protegê-lo", afirmou.
De sua parte, Tchacos rejeitou
qualquer sugestão de que estivesse tentando lucrar com o evangelho, e minimizou seus problemas
com as autoridades italianas.
"Fui ao inferno e voltei e salvei
algo para a humanidade", disse
Tchacos, 65. "Eu o teria dado de
graça a alguém que o salvasse."
A National Geographic pagou
US$ 1 milhão à Maecenas Foundation pelo conteúdo do manuscrito. A fundação foi criada pelo
advogado de Tchacos, Mario Roberty, que disse ter contatado autoridades egípcias quando recebeu o documento e dito que o manuscrito seria devolvido ao país.
Nas narrativas da National Geographic, Tchacos é retratada como alguém que tinha a convicção
religiosa de restaurar o evangelho.
"Acho que fui escolhida por Judas
para reabilitá-lo", disse.
Nenhuma menção é feita sobre
sua detenção em 2001 num caso
envolvendo antigüidades tiradas
ilegalmente da Itália. Tchacos disse que ela, como outros negociantes, teve problemas porque as leis
sobre o comércio de antigüidades
mudaram nos últimos anos.
A suíça comprou o Evangelho
de Judas em 2000 por US$ 300 mil
de outro negociante. Tentou vendê-lo à Universidade Yale (EUA),
que não o comprou por ter dúvidas sobre sua origem. Em 2001,
ela o vendeu por US$ 2,5 milhões
a um outro negociante, que não
pagou pela peça. Ajudada por Roberty, ela recuperou a propriedade sobre o manuscrito e o consignou à Maecenas Foundation.
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