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BIOLOGIA
Estudo de canadenses com camundongos diz que partículas dispersas afetam genes de óvulos e espermatozóides
Poluição do ar induz a mutação hereditária
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A poluição do ar nas cidades já
foi associada ao risco de desenvolvimento de câncer de pulmão e ao
dano genético em vários outros
tecidos do corpo humano. Agora,
um estudo canadense mostra que
ela pode afetar também, através
do código genético, as gerações
vindouras. E os principais vilões
da história seriam a fuligem e outros tipos de material particulado.
A equipe de James Quinn, da
Universidade McMaster, no Canadá, estudou por dez semanas a
exposição de camundongos à poluição. No estudo, Quinn percebeu que os animais expostos à atmosfera de uma área industrial tiveram até duas vezes mais mutações genéticas em suas células
germinativas -as responsáveis
pela produção do óvulo (fêmea) e
do espermatozóide (macho)-
que tiveram os que permaneceram em uma tranqüila área rural.
Segundo Quinn, 51, um paralelo
entre a reação dos camundongos
e a dos humanos à poluição pode
ser traçado. "Devemos tratar isso
como um aviso. Embora eu ache
que a ciência terá de explicar isso
melhor a longo prazo, seria difícil
acreditar que haja tanta diferença
assim nesse caso entre camundongos e homens", disse à Folha.
O cientista diz que a situação
pode vir a ser até mais grave no
caso dos homens. "Na verdade,
experimentos preliminares que
fizemos levam a crer que os homens são até mais sensíveis à poluição e ao material particulado
que os roedores. É só olhar, por
exemplo, o número de doenças
humanas que surgem da poluição
do ar", afirma o biólogo.
A principal fonte causadora das
mutações, segundo o estudo da
equipe, seriam a fuligem, a poeira
e outros tipos de sólidos microscópicos dispersos no ar.
Para comprovar a teoria, os
cientistas utilizaram nas duas locações um aparelho purificador
conhecido como Hepa (sigla em
inglês para "sistema de filtragem
de alta eficiência de partículas de
ar"), que reduzia em mais de
99,9% a quantidade de partículas
de poluição no ar. Resultado: na
área industrial, as mutações caíram para níveis equivalentes aos
da zona rural. Já no campo não
ocorreu alteração significativa. "O
material particulado e os poluentes que ele leva consigo parecem
ser o grande problema", diz.
Mas como os poluentes presentes nas partículas, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, conseguem fazer estragos no
DNA de espermatozóides e óvulos, afetando as futuras gerações?
Segundo o biólogo canadense,
há duas possibilidades. Na primeira, os poluentes e seus metabólitos chegam na corrente sangüínea através do sistema respiratório e alcançam diretamente as
células germinativas. Em outra, as
substâncias chegam primeiro ao
cérebro e afetam o sistema regulatório, causando efeitos fisiológicos que acabam nos espermatozóides e óvulos modificados.
Outro mistério, que Quinn diz
ser o objetivo de sua pesquisa no
futuro imediato, é o fato de que os
óvulos apresentam, em média,
bem menos mutações induzidas
por poluição do que os espermatozóides. "Estamos certos de que
tem a ver com os ciclos de formação das células. Nos camundongos, os espermatozóides são produzidos a toda hora. Já óvulos demoram muito mais para serem
descartados", afirma o biólogo.
Quinn agora estuda os netos
dos camundongos para saber
quantas e quais mutações permaneceram. "É importante para ver
quão grave é a situação."
Embora admita que ainda é cedo para dizer que tipo e qual a
quantidade de problemas que se
pode herdar de pais expostos à
poluição, o cientista, que já veio
diversas vezes ao Brasil, diz que as
pessoas já deveriam se prevenir.
"Eu, por exemplo, se vivesse em
São Paulo, teria um Hepa no escritório para filtrar o ar", brinca.
O estudo da equipe de Quinn foi
publicado na edição de hoje do
periódico científico "Science"
(www.sciencemag.com).
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