São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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BIOLOGIA

Estudo de canadenses com camundongos diz que partículas dispersas afetam genes de óvulos e espermatozóides

Poluição do ar induz a mutação hereditária

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A poluição do ar nas cidades já foi associada ao risco de desenvolvimento de câncer de pulmão e ao dano genético em vários outros tecidos do corpo humano. Agora, um estudo canadense mostra que ela pode afetar também, através do código genético, as gerações vindouras. E os principais vilões da história seriam a fuligem e outros tipos de material particulado.
A equipe de James Quinn, da Universidade McMaster, no Canadá, estudou por dez semanas a exposição de camundongos à poluição. No estudo, Quinn percebeu que os animais expostos à atmosfera de uma área industrial tiveram até duas vezes mais mutações genéticas em suas células germinativas -as responsáveis pela produção do óvulo (fêmea) e do espermatozóide (macho)- que tiveram os que permaneceram em uma tranqüila área rural.
Segundo Quinn, 51, um paralelo entre a reação dos camundongos e a dos humanos à poluição pode ser traçado. "Devemos tratar isso como um aviso. Embora eu ache que a ciência terá de explicar isso melhor a longo prazo, seria difícil acreditar que haja tanta diferença assim nesse caso entre camundongos e homens", disse à Folha.
O cientista diz que a situação pode vir a ser até mais grave no caso dos homens. "Na verdade, experimentos preliminares que fizemos levam a crer que os homens são até mais sensíveis à poluição e ao material particulado que os roedores. É só olhar, por exemplo, o número de doenças humanas que surgem da poluição do ar", afirma o biólogo.
A principal fonte causadora das mutações, segundo o estudo da equipe, seriam a fuligem, a poeira e outros tipos de sólidos microscópicos dispersos no ar.
Para comprovar a teoria, os cientistas utilizaram nas duas locações um aparelho purificador conhecido como Hepa (sigla em inglês para "sistema de filtragem de alta eficiência de partículas de ar"), que reduzia em mais de 99,9% a quantidade de partículas de poluição no ar. Resultado: na área industrial, as mutações caíram para níveis equivalentes aos da zona rural. Já no campo não ocorreu alteração significativa. "O material particulado e os poluentes que ele leva consigo parecem ser o grande problema", diz.
Mas como os poluentes presentes nas partículas, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, conseguem fazer estragos no DNA de espermatozóides e óvulos, afetando as futuras gerações?
Segundo o biólogo canadense, há duas possibilidades. Na primeira, os poluentes e seus metabólitos chegam na corrente sangüínea através do sistema respiratório e alcançam diretamente as células germinativas. Em outra, as substâncias chegam primeiro ao cérebro e afetam o sistema regulatório, causando efeitos fisiológicos que acabam nos espermatozóides e óvulos modificados.
Outro mistério, que Quinn diz ser o objetivo de sua pesquisa no futuro imediato, é o fato de que os óvulos apresentam, em média, bem menos mutações induzidas por poluição do que os espermatozóides. "Estamos certos de que tem a ver com os ciclos de formação das células. Nos camundongos, os espermatozóides são produzidos a toda hora. Já óvulos demoram muito mais para serem descartados", afirma o biólogo.
Quinn agora estuda os netos dos camundongos para saber quantas e quais mutações permaneceram. "É importante para ver quão grave é a situação."
Embora admita que ainda é cedo para dizer que tipo e qual a quantidade de problemas que se pode herdar de pais expostos à poluição, o cientista, que já veio diversas vezes ao Brasil, diz que as pessoas já deveriam se prevenir. "Eu, por exemplo, se vivesse em São Paulo, teria um Hepa no escritório para filtrar o ar", brinca.
O estudo da equipe de Quinn foi publicado na edição de hoje do periódico científico "Science" (www.sciencemag.com).


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