São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2007

Próximo Texto | Índice

Equipe reconstrói ponte inca nos EUA

Feito de engenharia demonstra como os antigos peruanos usavam cordas trançadas para transpor cânions profundos

Pontes incas tinham vãos livres maiores que os de qualquer ponte européia da época; réplica feita por alunos do MIT tem 30 m

Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Etapas da fabricação da ponte do MIT, batizada Chakastata


JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"

Os conquistadores espanhóis vieram, viram e ficaram atônitos. Eles nunca haviam visto na Europa nada parecido com as pontes do Peru. Os soldados espanhóis olhavam com assombro e medo para os cabos trançados de corda de aparência frágil, suspensos sobre abismos profundos nos Andes.
No entanto, as pontes pênseis eram elos familiares e vitais para o vasto império inca, como o foram para várias culturas andinas por centenas de anos antes da chegada dos europeus, em 1532.
Aquele povo não havia desenvolvido o arco de pedra nem veículos com rodas, mas se destacava no uso das fibras naturais em têxteis, barcos e armas.
As pontes feitas com cordas, algumas da grossura do tórax de um homem, foram a solução tecnológica para o problema da construção de estradas em terreno acidentado. Segundo algumas estimativas, cerca de 200 pontes suspensas se estendiam sobre cânions no século 16. (Apenas uma permanece hoje, no povoado de Huinchiri, perto da cidade de Cusco.)
Embora os estudiosos tenham estudado o sistema de estradas incaico e sua importância para a formação e o controle daquele império pré-colombiano, John A. Oschendorf, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) diz que o "papel das pontes foi menosprezado por historiadores e arqueólogos".
A pesquisa de Oschendorf sobre as pontes incaicas ilustra como uma escola de engenharia aborda a arqueologia, combinando ciência de materiais e experimentação com o trabalho tradicional de datação e observação. Em um curso chamado "materiais na experiência humana", 14 alunos de Oschendorf tiveram como prova construir uma ponte de corda de 20 metros em pleno campus.
Nos últimos anos, os arqueólogos do MIT já se juntaram a cientistas para reconstituir balsas e ligas de metal peruanas, vidro egípcio e concreto romano, e descobriram como os antigos mexicanos acrescentavam um cipó rico em enxofre à borracha para vulcanizá-la -3.500 anos antes da descoberta "oficial" do processo.
Oschendorf diz que o governo colonial espanhol tentou várias vezes erguer pontes européias em arco no Peru, e todas as tentativas acabavam em fiasco até que se incorporassem metais à construção. Os peruanos, que não dominavam a metalurgia do ferro, fiavam-se naquilo que conheciam: fibras de algodão, gramíneas e lã.
As pontes suspensas incas alcançavam vãos livres de até 50 metros. Isso era mais que o vão de qualquer ponte de pedra européia daquela época. A maior ponte romana na Espanha tinha um vão máximo de 30 metros. E nenhuma dessas pontes se estendia sobre cânions.
"Os incas foram a única civilização americana antiga a desenvolver pontes suspensas. Pontes semelhantes existiam em outras regiões montanhosas do mundo, mais notavelmente no Himalaia e na China antiga, onde pontes suspensas de correntes de ferro já existiam no século 3º a.C.", escreveu Oschendorf em um artigo.
A primeira versão moderna desse tipo de ponte foi feita no Reino Unido no século 18. A maior delas hoje conecta duas ilhas no Japão, com um vão livre de mais de 2 quilômetros.
O cronista peruano Garcilaso de la Vega relatou, em 1604, como os cabos eram feitos. As fibras, escreveu, eram trançadas em cordas do tamanho necessário para a ponte. Três dessas cordas eram costuradas para fazer uma corda maior, e três delas costuradas para fazer uma maior ainda, e assim por diante, Os cabos grossos eram lançados através do rio com cordas pequenas e amarrados a saliências de pedra.
Três dos cabos grandes serviam de piso para a ponte, que geralmente tinha pouco mais de um metro de largura. Outros dois serviam de corrimãos. Pedaços de madeira eram amarrados ao piso, que depois era coberto de ramos para dar um passo firme a animais de carga.
Ainda assim, levou tempo para que os espanhóis se acostumassem às pontes e convencessem seus cavalos a atravessá-las. As construções tremiam sob os pés e balançavam perigosamente ao sabor do vento. Nos anos 1870, um visitante americano escreveu que os viajantes calculavam o tempo de suas jornadas de modo a atingir uma ponte suspensa sobre o rio Apurímac de manhã, antes que os ventos ficassem fortes.

Inca high-tech
No projeto do MIT, os alunos se encontravam duas noites por semana para trançar as cordas de uma réplica de ponte peruana de 20 m de comprimento por 60 cm de largura. Uma etapa importante foi queimada para eles: o grupo obteve 80 km de corda já preparada de sisal, uma fibra mais resistente que as usadas pelos incas.
Parte do tempo ganho com isso foi usada de uma maneira que os incas jamais sonhariam: a corda e os cabos trançados foram submetidos a testes de estresse, carga e a raios-X.


Próximo Texto: Iniciativa tenta salvar diabo-da-tasmânia de extinção por câncer
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.