São Paulo, quinta-feira, 14 de maio de 2009

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Vênus peituda pode ser 1ª figura humana

Estatueta de 35 mil anos achada em caverna da Alemanha reflete "obsessão pelo sexo" na Pré-História, diz arqueólogo

Feita de osso de mamute, figura é mais uma evidência de que os humanos daquela época já tinham mente e comunicação "modernas"

H. Jansen/Universidade de Tübingen
Vistas lateral e frontal da Vênus alemã, voluptuosa e sem cabeça, reconstituída por arqueólogo


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se fosse feita hoje, provavelmente seria chamada de machista e pornográfica: uma estatueta de mulher sem cabeça, mas com enormes seios e nádegas, além de uma genitália muito bem esculpida. Com pelo menos 35 mil anos de idade, segundo seu descobridor, aquela que pode ser a mais antiga figura humana foi achada em uma caverna no sul da Alemanha.
A figura tem apenas 6 centímetros de altura, mas "muda radicalmente nossas visões do contexto e significado da mais antiga arte do Paleolítico", afirmou o arqueólogo Nicholas Conard, da Universidade de Tübingen, que descreve o achado em artigo na edição de hoje da revista científica "Nature".
Segundo ele, a idade da figura sugere que os humanos de 40 mil anos atrás já eram capazes de pensamento simbólico e abstrato, como os de hoje.
Já havia boas evidências disso: o primeiro trabalho de arte, encontrado numa caverna do sul da África, tem 70 mil anos.
Feita de marfim de mamute, a figura foi achada em seis pedaços na caverna de Hohle Fels, na região da Suábia. Faltam o ombro e o braço esquerdos, mas Conard espera encontrá-lo em futura escavação.
A "Vênus de Hohle Fels", como o autor a chama, seria pelo menos 5.000 anos mais antiga do que as estatuetas mais antigas conhecidas.
A primeira foi desenterrada em 1864 na França e batizada "Vênus impudica". Como tinha formas graciosas, o nome evocava a deusa do amor romana.
Até bem depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a interpretação das figuras era baseada em raça, com enfoque também nos aspectos exóticos da anatomia sexual feminina.
Só bem depois começou-se a falar nessas figuras como símbolos de fertilidade, da reprodução, de poder religioso, segundo um dos principais pesquisadores de arte pré-histórica, o antropólogo Randall White, da Universidade Nova York.
"Imagens de mulheres do Paleolítico estão entre as mais férteis fontes de debate em toda a arqueologia", afirma White. Há também quem as interprete como uma questão de divisão de trabalho sexual, de status da mulher, ou seu uso como objeto sexual, ou mesmo ligado a questões de ginecologia.
As características sexuais da Vênus são tão exageradas, "que por padrões do começo do século 21 elas podem ser vistas como na fronteira do pornográfico", comentou na mesma revista científica o arqueólogo Paul Mellars, da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
Para ele, a motivação da escultura é simples: "Esse pessoal tinha obsessão pelo sexo".
A descrição do objeto por Conard não deixa dúvidas: "As nádegas e genitália estão representadas em mais detalhe. A fenda entre as duas metades das nádegas é profunda e continua sem interrupção até a frente da figura, onde a vulva com proeminentes grandes lábios é visível entre as pernas abertas".
Datações de carvão e ossos de animais da caverna feitas pelo método do carbono-14 indicaram idades variando de 31,3 mil a 40 mil anos. Conard reconhece que há problemas nesses testes, que incluem desde erros de escavação a problemas com o tratamento das amostras, mas ele acredita que a Vênus, por estar recoberta por várias camadas de material antigo, deve mesmo ter essa idade.
"Esse novo achado é muito interessante, especialmente porque o seu contexto está arqueologicamente bem documentado. Dito isso, eu acho que as alegações de 40 mil a 35 mil anos são improváveis, dado que há uma série de datas pós-40 mil na sequência abaixo do nível Vb [onde foi achada a figura]", afirmou White à Folha. "Determinar qual destes objetos é o mais antigo é impossível, dada a incerteza da calibração do carbono-14", concluiu.


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