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BIOQUÍMICA
Grupo venezuelano descobre que fermentação reduz formação de gases no alimento, base da dieta brasileira
Pesquisa elimina flatulência de feijões
MARCUS VINICIUS MARINHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O alimento mais popular do
Brasil está em via de se tornar menos indigesto: pesquisadores venezuelanos e europeus conseguiram reduzir a quantidade de
substâncias geradoras de flatulência no feijão por meio de um processo simples de fermentação.
Segundo a coordenadora da
pesquisa, Marisela Granito, 46, da
Universidade Simón Bolívar, na
Venezuela, o tratamento com fermentação pode reduzir em até
95% a quantidade de substâncias
causadoras de gases nas leguminosas da espécie Phaselous vulgaris, variedade de feijão mais consumida no Brasil. Entre os compostos que seriam responsáveis
pela flatulência, estão derivados
de açúcares de nomes pouco palatáveis, como a rafinose, a estaquiose e a verbascose, e as fibras
alimentares solúveis.
A fermentação é uma espécie de
respiração anaeróbia de microorganismos -processo pelo qual
eles retiram energia de alguma
substância sem usar oxigênio.
Sem azedar
No caso específico do experimento de Granito, a fermentação
natural pode consumir essas
substâncias no feijão, fazendo
com que a leguminosa chegue à
mesa sem perigo de promover flatulência. O estudo será publicado
na próxima edição da revista
científica "Journal of Science of
Food and Agriculture" (www.interscience.wiley.com/ jsfa) e conta com a participação de cientistas
da França e da Espanha.
Segundo a pesquisadora, o sabor do feijão não muda muito
após o processo. "Sempre que se
fermenta um alimento, se produzem ácidos orgânicos que geram
um sabor azedo. No caso do feijão
fermentado, em 48 horas se consegue o efeito de redução de fibra
solúvel, de oligossacarídeos e,
portanto, da flatulência. Nesse
lapso de tempo, a acidez produzida é tão pouca que acaba mascarada pelo tempero que se usa no
preparo", diz.
Pesquisas feitas pela autora junto aos consumidores indicam que
60% dos usuários que provaram a
novidade não conseguiram sentir
a diferença entre a variedade fermentada de feijão e a normal.
Feijólatras insatisfeitos
A motivação da pesquisa, segundo a cientista, partiu da constatação de que um dos pratos
mais tradicionais da Venezuela, o
"pabellón creollo" -mistura de
arroz, feijão, molho de tomate,
carne em tiras e banana-, estava
com sua popularidade em queda
entre os mais jovens, por causa da
má fama de produtor de flato.
"Os grãos são parte da nossa
dieta diária e têm muitos nutrientes, mas muita gente se nega a comê-los", lamenta a pesquisadora.
Além do grão integral, o grupo
de Granito trabalha com uma farinha processada de feijão, também fermentada. Os pesquisadores já desenvolveram produtos à
base da farinha, como bolachas e
massas, que estão sendo utilizados em projetos sociais.
"Aqui desenvolvemos planos de
produção de comida barata para
comunidades carentes. O feijão
pode ser uma solução para o problema alimentar e econômico
dessas famílias, e a vantagem é
que a fermentação é um processo
muito barato e não precisa de
quase nada", afirma.
Granito ainda descobriu que a
fermentação natural -ou seja,
pela ação do ambiente, sem a adição de fermento- é duas vezes
mais rápida que a versão controlada na redução das substâncias
causadoras de flatulência, o que
deve garantir um custo de produção baixo. O grupo trabalha agora
na padronização do processo, para que ele ganhe escala comercial.
Fome zero
Segundo a pesquisadora, o governo venezuelano estuda introduzir os produtos de feijão do laboratório nos projetos sociais oficiais. Os alimentos do laboratório
de Granito estariam sendo considerados pelo baixo custo e sua
qualidade nutricional elevada
-o feijão é uma das melhores
fontes de proteínas do reino vegetal, e contém aminoácidos ausentes em cereais, como a licina, além
de polifenóis e de vitaminas do
complexo B.
A cientista diz que os produtos
podem também interessar ao
Brasil, país onde o feijão tem alta
popularidade. O consumo de feijão por aqui é de cerca de 16 kg
por habitante por ano, e a produção brasileira de Phaselous vulgaris é a maior do mundo. Na safra
1998/1999, segundo a Embrapa, a
produção do Brasil foi de 2,5 milhões de toneladas.
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