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BIOTECNOLOGIA
O americano Jeffrey Macklis, de Harvard, diz que célula embrionária é vital, mas terapia levará décadas
Célula-tronco não é panacéia, diz cientista
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Pouca gente tem tanta intimidade com células-tronco quanto o
médico americano Jeffrey Daniel
Macklis, da Escola Médica de
Harvard, nos EUA. Seu laboratório foi o primeiro do mundo a
provar que células-tronco existentes naturalmente no cérebro
podem ser "convencidas" a se
transformar em neurônios e, num
trabalho ainda inédito, a sugerir
que esses neurônios podem se
juntar a circuitos já estabelecidos
e funcionar normalmente.
Macklis, no entanto, pede cautela às pessoas que acham que as
células-tronco (capazes de produzir qualquer tipo de tecido no organismo) são uma promessa imediata de tratamento para males
como os de Alzheimer e Parkinson. "Eu acho que esse trabalho
levará 10, 20, 30, 50 anos, dependendo da complexidade", afirma.
O pesquisador americano trabalha longe dos dilemas éticos
que envolvem os estudos com células-tronco de embriões. Para
ele, existem células "precursoras"
adultas na maioria dos tecidos, inclusive no sistema nervoso, que
podem ser usadas para consertar
partes danificadas e tratar doenças degenerativas sem a necessidade de destruir um embrião humano no processo.
Mas ele afirma que a ciência não
pode abrir mão das células-tronco embrionárias. Elas são a melhor forma, por exemplo, de entender os defeitos genéticos que
levam ao aparecimento de doenças como a de Alzheimer.
Mesmo as fontes dessas células,
para Macklis, não devem ser chamadas de "embriões". "Minha visão é que essas células serão lixo
médico quando não forem mais
usadas numa clínica de fertilização. Esse tecido não é um embrião
de forma alguma", afirma.
De seu escritório em Boston,
por telefone, Macklis concedeu a
seguinte entrevista à Folha:
Folha - O Congresso brasileiro está discutindo um projeto de lei que
regulamenta a pesquisa com células embrionárias no país. O sr. acha
que esse tipo de pesquisa deveria
ser proibido?
Jeffrey Macklis - Primeiro, eu esclareceria que células-tronco embrionárias humanas não vêm de
embriões humanos. Elas são geralmente derivadas de um tubo de
ensaio que tem umas poucas células fertilizadas, tipicamente sobras de clínicas de fertilização. Essas células estão num estágio inicial que se parece com uma bola,
que não é um embrião com qualquer forma ou dimensão humana. De fato, essas células só têm
potencial se implantadas num
útero para se desenvolverem. Então, minha visão é que essas células serão lixo médico quando não
forem mais usadas numa clínica
de fertilização. Esse tecido não é
um embrião de forma alguma.
Folha - Mas isso não é uma questão de nomenclatura? Conservadores no Congresso podem dizer que
isso é um embrião.
Macklis Sim. E até o século 19 as
pessoas pensavam que as crianças
eram formadas inteiras, em miniatura, em cada espermatozóide.
Mas isso não é verdade. E essas células não são, no meu ponto de
vista, destruição de uma vida humana. Elas são destinadas a um
saco de lixo hospitalar. Alguém
poderia perguntar qual é o ponto
positivo de fazer pesquisa com células-tronco embrionárias humanas. E não se trata simplesmente
de descobrir como elas podem ser
controladas em aplicações terapêuticas para doenças humanas,
como diabetes ou esclerose lateral
amiotrófica ou lesão de medula
ou outras doenças neurológicas,
musculares e hepáticas. Elas serão
extremamente importantes no estudo dos defeitos genéticos que
levam a outras doenças humanas
mais complexas.
Folha - Por exemplo?
Macklis - Alzheimer. Parkinson.
O argumento de que seria muito
difícil usar essas células para tratar Alzheimer e Parkinson não é o
ponto, O ponto é que muitas dessas doenças têm uma componente genética, e uma forma de estudar isso é estudar o resultado de
anomalias genéticas em células
humanas, e células-tronco embrionárias humanas são a forma
mais direta e poderosa de fazer isso. Eu não falo isso de um ponto
de vista egoísta. Meu laboratório
trabalha com células adultas. Mas,
de um ponto de vista de conhecimento científico mais amplo, a
mesma biologia aparece em todas
essas maneiras complementares
de estudar doenças humanas e
apontar para terapias.
Folha - O sr. quer dizer que não há
esperança de tratar Parkinson e Alzheimer usando células-tronco?
Macklis - Não, eu não disse que
não há esperança. Esses são os objetivos de mais longo prazo. Alzheimer é um objetivo de muito
longo prazo, e Parkinson é intermediário. Eu acho que células-tronco serão aplicáveis diretamente a Parkinson. Acho que será
mais difícil e, possivelmente, vai
demorar mais décadas para que
isso seja obtido em relação ao mal
de Alzheimer, mas trabalhos com
animais têm mostrado que é pelo
menos possível pensar nisso.
Acho que, nos próximos sete a
dez anos, haverá aplicações mais
diretas a outras doenças neurodegenerativas, como esclerose lateral amiotrófica, doença de neurônio motor, lesão de medula e outras doenças neurodegenerativas.
Folha - Sete a dez anos?
Macklis - Eu acho que esse trabalho levará 10, 20, 30, 50 anos, dependendo da complexidade. Mas
as doenças menos complexas, as
que têm a ver com a restauração
de alguma função motora imperfeita, como controle de bexiga em
pacientes com lesão de medula,
acho que vamos abordar esse problema clinicamente na próxima
década. Eu acho que conseguir o
circuito completo, no caso do mal
de Parkinson, pode levar mais
tempo. Pode acontecer na década
seguinte. Mas acho que, no caso
do mal de Alzheimer, no qual circuitos de linguagem do cérebro
estão envolvidos, é algo mais para
a frente, porque vamos precisar
entender tudo muito bem. Mas há
outras aplicações em Alzheimer e
Parkinson além dessas terapias. E
elas são entender a base genética
da doença, e isso pode levar a prevenção ou a outras medicações.
Folha - O ator Christopher Reeve
defende as células-tronco como
uma esperança para ele, e soa como se isso fosse acontecer num futuro próximo. Ele está vendendo
uma promessa falsa?
Macklis - Eu acho que as afirmações iniciais dele, de que ele iria
voltar a andar devido a essas terapias em dez anos ou algo assim,
foram feitas com base em uma visão entusiástica, mas não completamente informada. Mas eu acho
que Christopher Reeve disse
apropriadamente que essa direção de pesquisa vai levar a terapias. Pode ser que pessoas em cadeiras de rodas não se levantem
para dançar balé ou correr maratonas -acho muito, muito, muito improvável-, mas pode ser
que algumas possam usar muletas ou ter algum controle de bexiga. A maior reclamação de pessoas com lesão de medula não é
ser deficiente, mas sim ser dependente. E devolver a essas pessoas
controle de bexiga, por exemplo,
seria uma mudança radical.
Folha - O seu grupo mostrou que
células-tronco adultas existem no
cérebro e podem ser cooptadas para desempenhar funções de alto nível, como aprendizado, sem esse
dilema ético que envolve embriões. O sr. acha que há células
adultas no resto do corpo?
Macklis - Nós podemos encontrar essas células e trabalhar com
elas em camundongos. Nós esperamos, e temos descoberto, que
elas existem em humanos. Mas
para entender como controlar as
células para fazer a coisa certa,
não podemos usar uma abordagem só. Precisamos entender
muitas fases iniciais do desenvolvimento e, para isso, o uso de células embrionárias é único.
Folha - O quão grande é o retrocesso imposto pela administração
Bush à pesquisa na área?
Macklis - Muitos laboratórios
que fazem esse tipo de trabalho
precisam construir instalações
completamente separadas. Porque o financiamento do governo
dos EUA através dos NIH [Institutos Nacionais de Saúde] inclui
custos de infra-estrutura, que pagam pelo prédio, pela eletricidade, pelo gás etc. Da forma como a
lei foi interpretada, não se pode
usar instalações que tenham qualquer custo de infra-estrutura associado aos NIH. Douglas Melton
[pesquisador de Harvard que está
produzindo linhagens para distribuir], até onde eu sei, teve de
montar um laboratório totalmente independente no porão de um
prédio vizinho, no qual a instituição pudesse mostrar que aquele
espaço não recebeu nenhum
apoio do governo.
O sr. não acha que as células-tronco serão uma repetição do fiasco da terapia gênica?
Macklis - Os problemas com a terapia gênica são exatamente o que
nós queremos evitar. Você não
pode prometer muito para muito
cedo. Então, deveríamos estimar
que esses problemas levarão décadas para serem resolvidos, mas
nós chegaremos lá. Eu também
acho que testes clínicos não deveriam ser feitos prematuramente
só para mostrar a alguns políticos
que o campo está avançando. E,
daqui a 30 anos, acho que o mundo julgará que foi correto desenvolver esse campo.
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