São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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NEUROCIÊNCIA

Área do cérebro relacionada a linguagem sofre mais modificação quanto mais cedo se aprende outra língua

Bilíngues têm massa cinzenta mais densa

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aprender uma segunda língua modifica de fato a anatomia do cérebro. E, quanto mais cedo se aprende, maior a modificação, segundo uma pesquisa relatada na edição de hoje da revista científica britânica "Nature".
O achado é uma comprovação neurológica de algo que qualquer imigrante que tenha filhos sabe muito bem: crianças tendem a aprender idiomas com mais facilidade do que adultos.
Pesquisadores de Reino Unido e Itália fizeram imagens por ressonância magnética funcional do cérebro e constataram que os bilíngues têm uma densidade maior da chamada "massa cinzenta" na região cerebral conhecida como córtex parietal inferior esquerdo.
"O grau de reorganização estrutural nessa região é modulado pela proficiência obtida e pela idade de aquisição", afirmam Andrea Mechelli e colegas do Departamento Wellcome de Imageamento de Neurociência, de Londres, e da Fundação Santa Lúcia, de Roma, que assinam o estudo.

Densidade
O objetivo da pesquisa era testar a densidade das massas cinzenta e branca do cérebro. A primeira é composta principalmente por corpos celulares ("cabeças") de neurônios, e a segunda, pelas "caudas" de células nervosas. É chamada de branca porque contém mielina, um lipídio que ajuda a conduzir impulsos nervosos.
Os primeiros testes foram feitos com pessoas que tinham o inglês como língua nativa. Foram recrutados 25 monoglotas com pouca exposição a línguas estrangeiras; 25 bilíngues "precoces", isto é, que aprenderam uma segunda língua européia antes de cinco anos de idade e a continuaram praticando; e 33 bilíngues "tardios", que só aprenderam outra língua entre os 10 e os 15 anos. Todos os voluntários tinham idades e grau de educação semelhantes.
Não houve diferença em relação à massa branca, mas a densidade da cinzenta foi maior entre os bilíngues, e maior ainda entre os bilíngues "precoces".
O segundo teste envolveu 22 voluntários que tinham o italiano como língua nativa e aprenderam inglês entre 2 e 34 anos de idade. Suas habilidades em leitura, escrita, compreensão e conversa foram testadas.
Os pesquisadores descobriram que o grau de proficiência correspondia exatamente ao grau de densidade da matéria cinzenta no córtex parietal inferior esquerdo. E que, quanto mais cedo se aprendia a segunda língua, maior o efeito sobre aquela área do cérebro.
Já se sabia por estudos anteriores que essa região do cérebro é ativada durante a realização de tarefas ligadas à fluência verbal.
"Esses efeitos podem resultar de uma predisposição genética para maior densidade, ou de uma reorganização estrutural induzida pela experiência", afirmam os autores da pesquisa.
Ainda não se sabe o que causa a densidade maior. Pode ser o aumento do tamanho das células nervosas -os neurônios-, da sua quantidade ou das conexões entre elas.
"Esses resultados são consistentes com as evidências crescentes de que o cérebro humano se modifica estruturalmente em resposta a demandas do ambiente", concluem os pesquisadores.
O próximo passo da equipe vai ser estudar o cérebro de pessoas com dificuldade para aprender línguas e também de poliglotas, para checar se o aumento da densidade é proporcional ao número de línguas faladas.


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