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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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Ciência em Dia

Jovens e desempregados doutores

Marcelo Leite
editor de Ciência

Virou moda entre administradores de CT&I (ciência, tecnologia e inovação, como reza o credo reformado da confraria) apontar como indicador de excelência e maturidade da pesquisa brasileira a formação de 6.000 doutores por ano. Parece razoável, perto de 40 mil Ph.Ds diplomados a cada ano nos EUA, país com um PIB quase oito vezes maior -calculado pelo critério do poder de compra das respectivas moedas.
Vista de outro ângulo, porém, a produção de 6.000 doutores anuais pode ser excessiva. Esse ângulo é o do mercado, não o mercado com M maiúsculo, financeiro, mas aquele que tira o sono da maioria dos brasileiros -o de trabalho, garroteado pelo primeiro. Não parece haver postos de trabalho bastantes para tantos doutores, no Brasil, como se o país não precisasse de pessoas com treinamento acadêmico qualificado para pensar e formular seus rumos.
Obviamente há necessidade, sim, de gente bem formada e informada. O que não há, em primeiro lugar, são verbas para abrir concursos nas universidades públicas e, assim, preencher as inúmeras vagas abertas pelo êxodo de professores e pesquisadores, acossados pela pecha de barnabés e pela ameaça de perder nacos de suas aposentadorias.
A julgar pelas declarações de luminares do governo Lula, e não só da famigerada equipe econômica, tão cedo essas verbas não virão. Assim como os compadres do governo Fernando Henrique Cardoso, seu furor orçamentário parece determinado a não deixar pedra sobre pedra nas instituições públicas em que seus próprios quadros (mal) aprenderam a fazer contas, discursos, planos e política.
Em segundo lugar no fomento ao desemprego doutorado aparece a muitas vezes diagnosticada e nunca remediada incapacidade do setor privado nacional de criar a tal inovação. Se as empresas atuantes no país estivessem necessitadas, capacitadas e capitalizadas para investir em desenvolvimento tecnológico de produtos, absorveriam naturalmente essa legião de jovens pesquisadores.
É claro que boa parte desses novos doutores vai encontrar emprego, ou melhor, ocupação, como pede a novilíngua dos pilotos de planilha. Muitos acabarão dando aulas como horistas nas prolíficas universidades privadas, sem tempo nem remuneração e muito menos incentivo para fazer pesquisa. Terão também alguma vantagem comparativa, se decidirem concorrer para vagas de telemarketing. Esse setor, pelo menos, não parece parar de crescer -até donativos para lares de velhinhos e de crianças com HIV já caíram na alça de mira dessa vanguarda do empreendedorismo, por assim dizer.
No fundo, o que o país não tem -não tinha com FHC e continua não tendo com Lula- é um projeto de desenvolvimento com lugar para gente que anda de ônibus e não em carros estrangeiros blindados. Transformou-se numa máquina financeira de moer talentos e triturar biografias, produzir ignorância e desperdiçar conhecimento. Enquanto não decidir aonde pretende chegar com sua gente, com sua indústria e com suas florestas, não haverá mesmo lugar para o excedente de doutores.
Se servir de consolo, é bom saber que o número de doutores formados nos EUA está caindo: já foi de 41 mil e despencou para menos de 40 mil, em 2002. Pelo visto, está ficando cada vez mais fácil e barato importar doutores prontos e desocupados de países mais pobres.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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