São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

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ASTROBIOLOGIA

Pesquisa quer colocar um ponto final na discussão sobre grãos de meteorito oriundo do planeta vermelho

Estudo refuta evidência de vida marciana

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois pesquisadores, um deles no Havaí e o outro em Londres, querem colocar um ponto final na discussão astrobiológica mais quente da última década: eles afirmam que não há sinais de vida no meteorito marciano ALH 84001.
Trata-se do último desdobramento de um debate que se estica desde 1996, quando cientistas da Nasa (agência espacial dos EUA) anunciaram que pequenos cristais com propriedades magnéticas incrustados na rocha seriam resquícios de atividade bacteriana em Marte há 3,9 bilhões de anos.
O ALH 84001 foi encontrado em Allan Hills, na Antártida, em 1984. O meteorito foi arrancado da superfície de Marte há 15 milhões de anos, quando um asteróide se chocou com o planeta. Depois de vagar pelo espaço durante um longo tempo, acabou caindo na Terra, há 13 mil anos.
Encontrado em solo antártico em 1984, foi classificado como uma rocha proveniente de Marte e guardado para estudos. Somente oito anos depois a Nasa, analisando extratos da rocha, viria a afirmar que havia encontrado nele cristais de origem supostamente biogênica -ou seja, formados pela ação de organismos vivos.
Logo em seguida, pesquisadores de outras instituições apresentaram estudos refutando a hipótese de que a única explicação para a formação dos cristais era biológica. Entre esses críticos estava Edward Scott, da Universidade do Havaí (EUA). Mas nenhum dos estudos anteriores foi tão contundente quanto o que ele publica agora, feito em parceria com David Barber, da Universidade de Greenwich (Reino Unido).
O artigo, presente na última edição da revista da Academia Nacional de Ciências americana, a "PNAS" (www.pnas.org), é categórico: "Nossos resultados fornecem forte evidência de que a maioria dos grãos de magnetita no ALH 84001, senão todos, são abiogênicos em origem e se formaram pelo calor do choque do meteorito", escreve a dupla.

Certezas e incertezas
O estudo afirma que as formas e a distribuição dos cristais magnéticos no meteorito são indicativos de que foram formados na própria rocha, e não por qualquer bactéria, terrestre ou marciana. "Estamos certos de que os grãos não foram formados biogenicamente", disse à Folha Scott, por telefone, de sua sala no Havaí. "E muitas pessoas na comunidade científica concordam totalmente com as nossas conclusões."
Certamente entre eles não estão os que iniciaram a controvérsia. Everett Gibson, do Centro Espacial Johnson, da Nasa, foi um dos líderes da pesquisa que em 1996 apontou a origem biogênica para os grãos nos carbonatos presentes no ALH 84001, e ele parece mais convencido do que nunca de suas impressões iniciais.
"Há carbonatos e carbonatos", diz Gibson. "Há magnetita formada a partir de carbonatos que sofreram grande elevação de temperatura, até 400C, enquanto em outros casos a temperatura não passou de 80C. A rocha contém os dois tipos, mas em seu estudo, Barber e Scott não os separaram, como nós fizemos antes."
Para ele, isso faz toda a diferença. Um dos tipos do cristal seria biogênico, o outro não. Se alguém tomasse um pelo outro, poderia tirar uma conclusão errada.
Mesmo assim, Gibson entende o ceticismo. "Idéias radicais em ciência não costumam ser facilmente aceitas", ele diz. E pode pôr "radical" nessa aí: seria a mais antiga evidência de vida já encontrada, mais velha até que os registros fósseis mais antigos da Terra.
"Mas nós acreditamos hoje, ainda mais do que em 1996, nas evidências que apontam a origem biogênica desses grãos", diz Gibson. "Se fosse uma rocha terrestre, ninguém discutiria. Mas é uma rocha de Marte."



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