São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

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Doença rara dá pistas sobre fertilidade

Mulher que parou de menstruar aos 27 anos é caso único relatado de síndrome hormonal, afirmam médicos de Brasília

Hipogonadismo faz criança pular a puberdade; variação agora descoberta pode estar sendo confundida com outros males em mulheres

GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma mulher de 29 anos que não menstruava mais levou cientistas brasileiros a identificarem um caso inédito de uma doença já pouco comum que afeta o desenvolvimento sexual do paciente. A descoberta traz pistas sobre o funcionamento dos processos reprodutivos.
Conhecida como hipogonadismo, a doença, em seu modelo clássico, é caracterizada por uma falha no desenvolvimento das gônadas -testículos e ovários- por causa da ausência dos hormônios LH (luteinizante) e FSH (foliculoestimulante). A paciente avaliada, no entanto, só não produz o LH.
Sem esses hormônios, pessoas com a forma tradicional da doença não passam pela puberdade e não desenvolvem características sexuais. Meninos viram homens, crescem e atingem um corpo adulto, mas não engrossam a voz, não adquirem barba nem pêlos e ficam com uma genitália infantil. Meninas não desenvolvem completamente as mamas e não menstruam. Ambos ficam inférteis.
O diferencial do caso estudado por médicos e geneticistas da UnB (Universidade de Brasília) é que a mulher até passou pela puberdade, apresentava um corpo normal, mas já na fase adulta ela simplesmente parou de menstruar. Chegou a ser diagnosticada como tendo ovário policístico (cheio de pequenas bolsas de líquido, condição que pode levar à infertilidade). Seu problema, na verdade, era hipogonadismo, mas numa forma nunca vista em mulheres.
A equipe descobriu que a deficiência isolada na produção do LH ocorre por uma mutação genética. O trabalho, liderado pela endocrinologista Adriana Lofrano-Porto, do Hospital Universitário de Brasília, foi publicado na revista médica "New England Journal of Medicine" (www.nejm.org).

Em família
Esse tipo de hipogonadismo resultante da falha apenas no LH havia sido descrito até então somente em dois homens. A novidade praticamente caiu no colo de Lofrano quando ela atendia no ambulatório de endocrinologia do hospital.
Um dia ela recebeu um paciente de 38 anos com sinais da doença: voz juvenil, desenvolvimento de mamas, pouco pêlo nas axilas, ausência de barba e pênis de 4,5 cm. "Chamou a atenção, no entanto, que o volume dos testículos era um pouco maior que o esperado. Nos exames notamos que seu nível de LH era indetectável, enquanto o de FSH era alto."
Para surpresa de Lofrano, não bastasse ela já ter em mãos um caso raro da doença, dias depois ela atendeu um outro adulto, de 30 anos, com as mesmas características. "Os dois são irmãos, mas um chegou lá sem saber que o outro já estava se tratando", conta.
A médica então questionou se havia outras pessoas assim na família. Descobriu que os pais eram primos e encontrou uma irmã com o problema. O fato de os pais serem consangüíneos aumenta o risco. Ambos têm uma cópia cada um do gene defeituoso do LH. Os três filhos herdaram as duas cópias.
Só que, ao contrário dos irmãos, a mulher passou normalmente pela puberdade. Desenvolveu seios, seus ovários amadureceram e ela menstruou aos 13 anos. No entanto seu ciclo sempre foi instável -ela ficava três ou quatro meses sem menstruar-, até que parou completamente aos 27 anos.
A descoberta sugere que a doença seja subnotificada, mas rara ainda assim -no Brasil há só 80 pessoas com hipogonadismo clássico. Pode haver mais casos, uma vez que seus sintomas são parecidos com os do ovário policístico.


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