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Doença rara dá pistas sobre fertilidade
Mulher que parou de menstruar aos 27 anos é caso único relatado de síndrome hormonal, afirmam médicos de Brasília
Hipogonadismo faz criança
pular a puberdade; variação
agora descoberta pode estar
sendo confundida com
outros males em mulheres
GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma mulher de 29 anos que
não menstruava mais levou
cientistas brasileiros a identificarem um caso inédito de uma
doença já pouco comum que
afeta o desenvolvimento sexual
do paciente. A descoberta traz
pistas sobre o funcionamento
dos processos reprodutivos.
Conhecida como hipogonadismo, a doença, em seu modelo clássico, é caracterizada por
uma falha no desenvolvimento
das gônadas -testículos e ovários- por causa da ausência
dos hormônios LH (luteinizante) e FSH (foliculoestimulante). A paciente avaliada, no entanto, só não produz o LH.
Sem esses hormônios, pessoas com a forma tradicional da
doença não passam pela puberdade e não desenvolvem características sexuais. Meninos viram homens, crescem e atingem um corpo adulto, mas não
engrossam a voz, não adquirem
barba nem pêlos e ficam com
uma genitália infantil. Meninas
não desenvolvem completamente as mamas e não menstruam. Ambos ficam inférteis.
O diferencial do caso estudado por médicos e geneticistas
da UnB (Universidade de Brasília) é que a mulher até passou
pela puberdade, apresentava
um corpo normal, mas já na fase adulta ela simplesmente parou de menstruar. Chegou a ser
diagnosticada como tendo ovário policístico (cheio de pequenas bolsas de líquido, condição
que pode levar à infertilidade).
Seu problema, na verdade, era
hipogonadismo, mas numa forma nunca vista em mulheres.
A equipe descobriu que a deficiência isolada na produção
do LH ocorre por uma mutação
genética. O trabalho, liderado
pela endocrinologista Adriana
Lofrano-Porto, do Hospital
Universitário de Brasília, foi
publicado na revista médica
"New England Journal of Medicine" (www.nejm.org).
Em família
Esse tipo de hipogonadismo
resultante da falha apenas no
LH havia sido descrito até então somente em dois homens. A
novidade praticamente caiu no
colo de Lofrano quando ela
atendia no ambulatório de endocrinologia do hospital.
Um dia ela recebeu um paciente de 38 anos com sinais da
doença: voz juvenil, desenvolvimento de mamas, pouco pêlo
nas axilas, ausência de barba e
pênis de 4,5 cm. "Chamou a
atenção, no entanto, que o volume dos testículos era um
pouco maior que o esperado.
Nos exames notamos que seu
nível de LH era indetectável,
enquanto o de FSH era alto."
Para surpresa de Lofrano,
não bastasse ela já ter em mãos
um caso raro da doença, dias
depois ela atendeu um outro
adulto, de 30 anos, com as mesmas características. "Os dois
são irmãos, mas um chegou lá
sem saber que o outro já estava
se tratando", conta.
A médica então questionou
se havia outras pessoas assim
na família. Descobriu que os
pais eram primos e encontrou
uma irmã com o problema. O
fato de os pais serem consangüíneos aumenta o risco. Ambos têm uma cópia cada um do
gene defeituoso do LH. Os três
filhos herdaram as duas cópias.
Só que, ao contrário dos irmãos, a mulher passou normalmente pela puberdade. Desenvolveu seios, seus ovários amadureceram e ela menstruou aos
13 anos. No entanto seu ciclo
sempre foi instável -ela ficava
três ou quatro meses sem
menstruar-, até que parou
completamente aos 27 anos.
A descoberta sugere que a
doença seja subnotificada, mas
rara ainda assim -no Brasil há
só 80 pessoas com hipogonadismo clássico. Pode haver
mais casos, uma vez que seus
sintomas são parecidos com os
do ovário policístico.
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