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FÍSICA
Wolfgang Ketterle, um dos vencedores deste ano, relata a disputa que ele quase perdeu na caça a novo estado da matéria
Competição marcou premiados do Nobel
Associated Press
![](../images/d1510012001.jpg) |
Ketterle (centro) é abraçado por colegas após receber o Nobel |
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Muitas vezes os louros das grandes conquistas científicas escondem a intensa competição que
existe entre os pesquisadores na
luta pelo pioneirismo. O Nobel de
Física deste ano foi resultado de
mais uma dessas disputas.
Em 1995, apenas quatro meses
separaram o feito da dupla Eric
Cornell e Carl Wieman, da Universidade do Colorado em Boulder (EUA), e o do alemão Wolfgang Ketterle, do MIT (Instituto
de Tecnologia de Massachusetts).
Eles criaram um condensado de
Bose-Einstein -um estado da
matéria em que os átomos ficam
tão gelados que agem como se
fossem uma só partícula gigante.
O fenômeno havia sido previsto
em 1924 por Albert Einstein, mas
nunca tinha sido observado.
Os três acabaram agraciados
com o Nobel -não houve perdedores. Mas Ketterle confessa que,
por quatro meses, ele pensou que
as coisas não acabariam assim.
Nascido em 1957 em Heidelberg, no sul da Alemanha, hoje ele
se diz "feliz por ter passado por isso". Apesar de já trabalhar nos
EUA há 11 anos, o inglês do pesquisador, que é casado e pai de
três filhos, ainda carrega um sotaque bastante perceptível.
De seu escritório no MIT, ele falou à Folha sobre a disputa pelo
condensado, o potencial tecnológico, o sacrifício familiar, as responsabilidades que vêm com o
Nobel -e Albert Einstein.
Folha - Como o sr. se sente tendo
conseguido realizar na prática algo
que Einstein apenas teorizou?
Wolfgang Ketterle - Eu não quero mistificar Albert Einstein. Ele
era um grande físico e eu estou
muito feliz de fazer coisas belas
em física, mas o desafio e a empolgação seriam os mesmos, tendo
sido previstos por ele ou não.
Folha - Quando estava começando a planejar os experimentos, no
início dos anos 90, o sr. imaginou
que o estudo poderia valer o Prêmio Nobel?
Ketterle - Não. Eu selecionei o
assunto pelo que achei que era
boa física, que era um desafio. O
Prêmio Nobel é algo muito singular e é dado apenas uma vez por
ano para toda a física. Você não
pode mirar um Prêmio Nobel, você não pode planejá-lo, não pode
trabalhar para ele. Você só pode
fazer boa física, e há casos, se você
for bem sortudo, em que pode
acabar sendo reconhecido. Mas
não é por isso que eu faço física.
Folha - Para um político, chegar a
Presidência é o ápice da carreira, e
é difícil arrumar coisa mais importante para fazer depois disso. De
forma análoga, para um cientista,
o topo provavelmente é ganhar um
Prêmio Nobel. Para pesquisadores,
existe vida após o Nobel?
Ketterle - Espero que sim, e farei
o máximo para isso. Eu gosto
muito da minha vida como está
nos últimos anos e quero que isso
continue. Sei que há o prestígio do
prêmio, haverá alguns compromissos adicionais para mim. Essas são novas tarefas que estou
ansioso para cumprir, mas não
quero que elas se tornem dominantes e competitivas no campo
profissional. Quero continuar o
que comecei, ter tempo para as
crianças, fazer minha pesquisa.
Folha - Sua publicação dos resultados da condensação de Bose-Einstein saiu quatro meses depois
da publicação dos estudos feitos
em Colorado por Cornell e Wieman.
Como o sr. se sentiu com relação a
isso na época?
Ketterle - No quatro meses entre
o avanço deles e o nosso avanço,
houve muita incerteza para mim e
para meu grupo. Nós não sabíamos se conseguiríamos, ou quando, e eu realmente experimentei
-acho que estou feliz de ter passado por isso- a sensação de poder perder. Em ciência, se você investe muitos recursos para atingir
uma meta e outra pessoa atinge
essa meta, você pode perder. Você
pode ter feito grandes esforços
para um objetivo e nunca receber
o crédito. Esses quatro meses entre o salto deles e o nosso salto foram difíceis para mim.
Folha - E hoje, como o sr. vê isso?
Ketterle - Nem precisou ir muito
longe. No começo de 1996, quando começamos a explorar a física
dos condensados de Bose-Einstein, eu senti, "Oh, é um grande
campo, há tantas coisas se abrindo, e não há perdedor. Há coisas
interessantes suficientes para serem exploradas pelos dois grupos", e isso foi o que aconteceu.
Folha - Quais eram as diferenças
entre seu experimento e o do grupo do Colorado?
Ketterle - Eles usaram átomos de
rubídio, nós usamos átomos de
sódio. Eles usaram uma armadilha rotativa magnética e nós usamos uma combinação de forças
magnéticas e ópticas. Mas, quando obtivemos os resultados, havia
também diferenças em desempenho. Conseguimos cem vezes
mais condensado, e mais rápido.
Tivemos imediatamente um experimento de alto desempenho.
Folha - Durante todos esse anos,
o seu grupo e o do Colorado estiveram constantemente em contato?
Ketterle - Oh, sim. Nos conhecemos, nos encontramos em conferências, lemos os trabalhos uns
dos outros e estamos em contato
frequente. Nunca publicamos
juntos, mas procuramos opiniões
uns dos outros e algumas vezes
conselhos uns dos outros. Então,
apesar de algumas situações competitivas, permanecemos amigos
e cientistas que se respeitam.
Folha - O que pode ser obtido em
termos de tecnologia a partir dessa
configuração da matéria?
Ketterle - Deixe-me primeiro ser
bem genérico. A obtenção do
condensado de Bose-Einstein vai
ao cerne do estudo dos átomos
-é um meio sem precedentes de
controlá-los. E os átomos são as
peças que constroem a natureza.
Alguns estão especulando que talvez essas técnicas possam ser usadas em nanotecnologia, talvez até
em computação quântica. Mais
realisticamente, para medições de
precisão, como relógios atômicos.
Folha - Uma pergunta inevitável
nestes tempos: o condensado de
Bose-Einstein poderia ser convertido em uma arma?
Ketterle - Eu não tenho idéia de
como o condensado de Bose-Einstein poderia ser usado como
arma. Você tem alguma idéia?
Folha - Eu não.
Ketterle - Talvez pudéssemos
pensar em fritar alguém com um
laser de átomos, mas os átomos só
se propagam no vácuo. No ar, eles
ficam presos. Se você quiser acertar uma pessoa com um laser de
átomos, você precisará pedir a ela:
"Por favor, fique parada, que eu
quero instalar um tubo de vácuo
entre você e eu", então você monta o tubo e você atira o laser de
átomos. É ridículo!
Folha - Em fotos de agências internacionais, o sr. foi o único que
apareceu com seus filhos. Houve
um preço a ser pago no lado familiar pela dedicação à pesquisa que
acabou lhe rendendo o Nobel?
Ketterle - Definitivamente. Se
você é apaixonado pela ciência,
você acaba gastando muito tempo com ela. Essa intensidade de
fazer ciência e pesquisa exige dedicação. E nisso, é claro, você faz
sacrifícios. Você tenta não negligenciar muito sua família, mas
você provavelmente gasta menos
tempo com ela do que a média.
Folha - E como o sr. explica a seus
filhos o que é um condensado de
Bose-Einstein?
Ketterle - Quando tento explicar
a eles, eu digo: "Você sabe, claro, a
diferença entre uma lâmpada e
um raio laser, é luz de uma qualidade diferente. O que eu fiz foi
criar átomos, criar matéria, que
tem as propriedades de luz laser.
Eu fiz átomos de luz laser".
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