São Paulo, sexta-feira, 16 de janeiro de 2004

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EVOLUÇÃO

Estudo americano usou gravações "gramaticais"

Macacos entendem frase simples, mas tropeçam em mais complexa

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Simples sagüis parecem ser capazes de entender regras básicas de sintaxe -mas é bom não complicar o fraseado, porque os bichos logo se perdem, de acordo com uma dupla de biólogos americanos. Com a ajuda dos macacos e de uma gramática inventada, eles podem ter descoberto uma das características que tornam a linguagem humana única.
O traço proposto pelos pesquisadores é a chamada recursividade, a idéia de que o que acontece num trecho de uma frase, por exemplo, deve se refletir várias palavras adiante por uma questão de coerência. É mais ou menos o que acontece quando alguém começa uma frase com "se..." -independente do que vem depois, em algum momento um "então" ou similar deverá vir para arrematar o raciocínio da sentença.
É justamente isso que dá um nó nos miolos dos sagüis-cabeça-de-algodão (Saguinus oedipus), uma espécie da Colômbia, de acordo com William Tecumseh Fitch, da Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido.
Para quem acha que era mesmo demais esperar tal nível de compreensão lingüística dos macaquinhos, Fitch é categórico: "A falha deles só não surpreende depois dos experimentos. O que as pessoas diziam antes de se descobrir que os pássaros têm estrutura frasal no seu canto? Eu certamente estou longe de saber o que esperar", disse o biólogo à Folha.
O teste com os sagüis, que ganharam seu nome por causa de um topete de pêlos brancos, é a primeira prova experimental de uma idéia proposta no ano passado por Fitch, seu colega Marc Hauser, da Universidade Harvard (EUA), e o célebre lingüista americano Noam Chomsky. O trio defende que a recursividade está entre os grandes saltos que possibilitaram a linguagem humana, já que ela permitiria combinações quase infinitas de frases.
"Escolhemos os sagüis principalmente porque tínhamos uma colônia deles em Harvard e também porque eles mostraram sucesso em muitos testes do gênero", conta Fitch, cujo trabalho sai hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
Os vinte macacos foram divididos em duas "classes", e cada uma delas passou a receber "aulas" de dois tipos diferentes de gramática fictícia. As duas tinham dois tipos de sílaba, formada por uma consoante e uma vogal e apelidadas de A e B. Os bichos conseguiam diferenciá-las porque todas as sílabas A eram pronunciadas por uma mulher, enquanto as B eram proferidas por um homem.
A primeira gramática era ridiculamente simples: toda sílaba A era seguida por uma B. Já a segunda exigia uma sintaxe "espelhada": a primeira e a última sílaba eram A e B, e assim por diante (com limite de seis sílabas).
Os pesquisadores mediram, então, o domínio das regras que os animais adquiriram tocando seqüências certas ou erradas. O que aconteceu é que os bichos ficavam impassíveis quando estava tudo certo, mas olhavam para o alto-falante, aparentemente chocados com o "erro gramatical" quando o "texto" não obedecia às regras, no caso da gramática mais simples. No entanto, tanto podiam olhar quanto não olhar para o aparelho na segunda gramática.
A idéia dos pesquisadores é repetir o teste com bebês (já que a capacidade de entender linguagem parece preceder a de falar) e grandes macacos, os parentes mais próximos da humanidade.
"Esse tipo de gramática é um passo-chave para o poder expressivo da linguagem", diz Hauser. "Ela opera também em outros domínios, como a capacidade numérica, a música, a visão e, possivelmente, a moralidade", afirma o biólogo de Harvard.


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