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EVOLUÇÃO
Estudo americano usou gravações "gramaticais"
Macacos entendem frase simples, mas tropeçam em mais complexa
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Simples sagüis parecem ser capazes de entender regras básicas
de sintaxe -mas é bom não complicar o fraseado, porque os bichos logo se perdem, de acordo
com uma dupla de biólogos americanos. Com a ajuda dos macacos e de uma gramática inventada, eles podem ter descoberto
uma das características que tornam a linguagem humana única.
O traço proposto pelos pesquisadores é a chamada recursividade, a idéia de que o que acontece
num trecho de uma frase, por
exemplo, deve se refletir várias
palavras adiante por uma questão
de coerência. É mais ou menos o
que acontece quando alguém começa uma frase com "se..." -independente do que vem depois,
em algum momento um "então"
ou similar deverá vir para arrematar o raciocínio da sentença.
É justamente isso que dá um nó
nos miolos dos sagüis-cabeça-de-algodão (Saguinus oedipus), uma
espécie da Colômbia, de acordo
com William Tecumseh Fitch, da
Universidade de Saint Andrews,
no Reino Unido.
Para quem acha que era mesmo
demais esperar tal nível de compreensão lingüística dos macaquinhos, Fitch é categórico: "A falha deles só não surpreende depois dos experimentos. O que as
pessoas diziam antes de se descobrir que os pássaros têm estrutura
frasal no seu canto? Eu certamente estou longe de saber o que esperar", disse o biólogo à Folha.
O teste com os sagüis, que ganharam seu nome por causa de
um topete de pêlos brancos, é a
primeira prova experimental de
uma idéia proposta no ano passado por Fitch, seu colega Marc
Hauser, da Universidade Harvard
(EUA), e o célebre lingüista americano Noam Chomsky. O trio defende que a recursividade está entre os grandes saltos que possibilitaram a linguagem humana, já
que ela permitiria combinações
quase infinitas de frases.
"Escolhemos os sagüis principalmente porque tínhamos uma
colônia deles em Harvard e também porque eles mostraram sucesso em muitos testes do gênero", conta Fitch, cujo trabalho sai
hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
Os vinte macacos foram divididos em duas "classes", e cada uma
delas passou a receber "aulas" de
dois tipos diferentes de gramática
fictícia. As duas tinham dois tipos
de sílaba, formada por uma consoante e uma vogal e apelidadas
de A e B. Os bichos conseguiam
diferenciá-las porque todas as sílabas A eram pronunciadas por
uma mulher, enquanto as B eram
proferidas por um homem.
A primeira gramática era ridiculamente simples: toda sílaba A
era seguida por uma B. Já a segunda exigia uma sintaxe "espelhada": a primeira e a última sílaba
eram A e B, e assim por diante
(com limite de seis sílabas).
Os pesquisadores mediram, então, o domínio das regras que os
animais adquiriram tocando seqüências certas ou erradas. O que
aconteceu é que os bichos ficavam
impassíveis quando estava tudo
certo, mas olhavam para o alto-falante, aparentemente chocados
com o "erro gramatical" quando
o "texto" não obedecia às regras,
no caso da gramática mais simples. No entanto, tanto podiam
olhar quanto não olhar para o
aparelho na segunda gramática.
A idéia dos pesquisadores é repetir o teste com bebês (já que a
capacidade de entender linguagem parece preceder a de falar) e
grandes macacos, os parentes
mais próximos da humanidade.
"Esse tipo de gramática é um
passo-chave para o poder expressivo da linguagem", diz Hauser.
"Ela opera também em outros domínios, como a capacidade numérica, a música, a visão e, possivelmente, a moralidade", afirma o
biólogo de Harvard.
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