São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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ARQUEOLOGIA

Cientistas da Europa, dos EUA e da África do Sul acham a mais antiga "jóia" da humanidade, feita de conchas

Gruta africana guarda colar de 75 mil anos

C. Henshilwood, F. d'Errico/NSF/Associated Press
Conchas perfuradas de colar de 75 mil anos achado na caverna Blombos; barra (esq.) tem 5 mm


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As jóias mais antigas do mundo foram descobertas por arqueólogos na África do Sul. Não tinham nada de ouro, prata ou diamantes, mas são um tesouro mais importante do que costumam ser esses vis metais e pedras preciosas.
Simples e pequenos colares de conchas pré-históricos mostram que o ser humano, como ele existe hoje, é algo bem mais antigo do que se imaginava. Cerca de 75 mil anos atrás existiu um ser humano que se deu ao trabalho de furar algumas dezenas de pequenas conchas e juntá-las em um colar para usar como ornamento. É o caso mais antigo conhecido desse desejo estético, 30 mil anos antes do primeiro registro conhecido.
Não se sabe se era homem ou mulher, se era um homem fazendo um presente para uma dama ou para um sacerdote, ou se era uma mulher procurando um ornamento a mais para salientar seus charmes pré-históricos.
Mas uma coisa o colar-de-contas-feito-de-conchas indica: "Ornamentos pessoais e arte são expressões inquestionáveis de simbolismo que equivalem ao comportamento humano moderno", dizem os autores da descoberta em pequeno artigo, de apenas uma página, na revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org) de hoje.
E não faltaram autores. São cinco os que assinam a breve comunicação, pertencentes a instituições de países de três continentes -Noruega, Reino Unido e França, EUA e África do Sul. O principal autor é Christopher Henshilwood, professor tanto da Universidade de Bergen, Noruega, como da Universidade Estadual de Nova York, em Stony Brook.
As conchas foram achadas na caverna sul-africana Blombos. Elas têm menos de um centímetro cada e a maioria tem furos nos mesmos pontos. Em torno dos furos os pesquisadores, usando microscópios eletrônicos, notaram o mesmo tipo de abrasão, consistente com o atrito do fio de um colar.
As conchas foram identificadas como as de uma espécie (Nassarius kraussianus) comum na região entre a África do Sul e Moçambique, descrita em 1846.
Estudando outras conchas achadas na mesma caverna foi possível concluir que o conjunto encontrado não representava nem algo que teria ocorrido naturalmente no local, nem conchas que teriam sido perfuradas por ação de algum predador. Só havia uma explicação razoável: faziam parte de um colar de contas.
Na mesma caverna, e na mesma camada de escavação, foram achadas outras obras de arte pré-histórica: pedacinhos de ocre -uma argila avermelhada-, na forma de gravuras, entalhadas com riscos variados. O achado havia sido descrito em 2002.
Um dos motivos pelos quais os pesquisadores concluíram que as conchas encontradas eram parte de colares foi o fato delas estarem em grupos de tamanhos e cor semelhantes -além do padrão de desgaste em torno dos furos.

Humanidade moderna
"Em sociedades humanas, as contas têm muitas funções diferentes, todas eminentemente simbólicas. Linguagem totalmente sintática é, argumenta-se, um requisito essencial para compartilhar e transmitir o significado simbólico dos artefatos de contas e gravuras abstratas como esses da caverna Blombos", escreveram Henshilwood e colegas.
A nova descoberta ajuda os cientistas a decidir entre dois modelos explicativos sobre como surgiu esse comportamento humano moderno.
Uma hipótese diz que o comportamento teria aparecido na África ou na Eurásia, de 40 mil a 50 mil anos atrás. Outra hipótese afirma que teria havido uma transição gradual na África -o "berço" da humanidade- de 250 mil a 50 mil anos atrás.
O ser humano moderno (com a mesma anatomia de hoje) já existiria 160 mil anos atrás. A questão é saber quando o corpo e a mente de hoje se tornaram conjuntamente "modernos".


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