São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Poluição cósmica ofusca luz de galáxias

Descoberta de britânicos e alemães sugere que o Universo é duas vezes mais brilhante do que se imaginava até agora

Estudo com aparelhos que enxergam radiação invisível ajuda a explicar resultados discrepantes de pesquisas sobre origem das galáxias

Telescópio Espacial Hubble/Nasa/ESA
Imagens mais distantes do telescópio Hubble podem estar captando só 50% da luz das estrelas

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um paulistano pode se frustrar ao olhar para o céu sabendo que não enxerga todas estrelas que poderia ver se a cidade não fosse poluída. Agora, imagine a decepção de um astrônomo observando uma imagem do Telescópio Espacial Hubble e descobrindo que a luz das galáxias que ele enxerga não é nem metade daquela que está lá fora. Bom, um grupo de cientistas britânicos e alemães acaba de mostrar que é isso o que está acontecendo.
Em estudo na revista "Astrophysical Journal Letters", cientistas liderados por Simon Driver, da Universidade de Saint Andrews (Escócia), mostraram que a poeira cósmica que existe entre as estrelas bloqueia, em média, metade da luz estelar visível que deveria chegar até observadores na Terra.
A descoberta saiu de um catálogo de imagens de altíssima resolução de 10 mil galáxias que Driver coordenou para analisar outras questões. Ao fazer observações detalhadas de radiação invisível a olho nu (raios X, luz infravermelha etc.), o pesquisador tomou um susto.
"Pela primeira vez, nós tivemos uma medida precisa do quão grande é o problema da poeira, e ele é bem maior do que achávamos", disse o astrônomo à Folha. "Essa poeira está dentro das galáxias que observamos, a maior parte distribuída dentro de um disco muito fino, mas há um componente adicional bem no centro das galáxias. É esse componente que está causando o problema, bloqueando praticamente toda a luz de algumas estrelas no meio das galáxias."
Segundo Driver, o problema não afeta imagens que os astrônomos fazem de estrelas dentro da Via Láctea -a nossa galáxia-, mas deve afetar muito as observações mais distantes.
"Muitas das pessoas que estão trabalhando com essas imagens de campo muito profundo do Telescópio Espacial Hubble terão de olhar nosso trabalho com atenção e terão de avaliar se isso tem um sério impacto nos estudos que eles vêm publicando nos últimos cinco anos", diz o astrônomo. "Minha impressão é que sim."
Segundo o grupo de Driver, ainda há muitos resultados conflitantes em estudos sobre como as galáxias se formam, e a poeira subestimada pode acabar levando boa parte da culpa agora. "Esperamos que, com as pessoas contabilizando a poeira de maneira correta, talvez elas consigam obter resultados mais consistentes."

Cores invisíveis
Segundo o estudo na "Astrophysical Journal Letters", o problema da luz estelar ofuscada é mais intenso quanto mais longe se tenta enxergar. Galáxias mais distantes podem estar revelando apenas 10% de sua luz. Segundo Driver, o problema vinha sendo subestimado porque, apesar de já existir tecnologia para detectar diversos tipos de radiação cósmica, em determinados tipos de estudo prevalece entre muitos astrônomos a cultura de usar apenas a luz visível.
Ao fazer estimativas de quanta luz as estrelas de outras galáxias deveriam estar emitindo e ao medir quanta luz chegava à Terra, porém, os cientistas tinham de conviver cada vez mais com o incômodo problema de não fechar as contas. Boa parte da luz que deveria estar saindo de outras galáxias parecia não chegar a lugar algum.
A luminosidade no espectro das cores visíveis absorvida pela poeira cósmica, porém, é reemitida nos outros comprimentos de onda -infravermelho, sobretudo. Só agora, com levantamentos mais detalhados da radiação de galáxias, foi possível achar a "luz perdida".


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