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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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AMBIENTE

Encontro que começa hoje na Alemanha vota proposta que muda foco para conservação; Brasil propõe santuário

Manobra quer mudar a comissão baleeira

Associated Press-30.ago.2002
Mergulhadores tentam cortar rede antitubarões na qual baleia de 13 m se enroscou, na Austrália


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Uma manobra política pode ajudar a transformar o que já foi uma assembléia de países caçadores de baleia num órgão voltado à conservação do animal, ameaçado de extinção.
A jogada, proposta pelo México e apoiada por 17 países, entre eles o Brasil, será votada na 55ª Reunião Anual da Comissão Internacional da Baleia, que começa hoje em Berlim (Alemanha). Ela prevê a criação de um comitê dentro do órgão para propor estratégias de uso não-letal das baleias, em substituição à caça, suspensa desde 1986. E já está enfurecendo os países caçadores, como o Japão.
A CIB foi criada em 1946 pelos países baleeiros para evitar que as baleias -e, por tabela, a indústria baleeira-, acabassem de vez. A caça industrial, praticada desde o começo do século, levou as populações das várias espécies à beira do colapso. Para salvar a indústria, era preciso reordenar a caça. E isso implicava conservação.
Só que, de lá para cá, muitos países caçadores, como os EUA e o Reino Unido, desmontaram sua indústria baleeira e se tornaram conservacionistas. "A agenda mudou a partir dos anos 70, quando a consciência ambiental tomou conta do mundo", disse à Folha o conselheiro Hadil da Rocha Viana, do Itamaraty, comissário brasileiro na CIB.
Hoje, a maioria dos cerca de 45 países que integram a CIB é do bloco conservacionista. Mais de cem resoluções direcionadas à preservação já foram aprovadas, uma moratória à caça comercial vigora desde 1986, e dois oceanos da Terra, o Índico e o Austral, já são santuários de baleia.

Precedentes
A proposta mexicana, chamada Iniciativa de Berlim, tenta usar todos esses precedentes como justificativa para a criação de um comitê de conservação de baleias dentro da comissão baleeira. Entre as atribuições do comitê estariam preparar e implementar uma agenda de conservação que incorpore o turismo de observação de baleias e a pesquisa de comportamento.
Na prática, a iniciativa não mudaria muito a agenda da comissão. O grande embate da CIB continua sendo entre as pressões pelo fim da moratória, por parte do bloco liderado por Japão e Noruega, e as pressões conservacionistas e das ONGs, do outro lado, pelo uso não-letal das baleias.
"Eu acredito que esse conflito, que não termina nunca, está minando a credibilidade da CIB", afirmou Viana.
No entanto, a Iniciativa de Berlim representa o reconhecimento de que o foco principal da CIB mudou. E isso deixa os países caçadores menos à vontade para reivindicar seus direitos -legítimos, pelos princípios da comissão- de matar baleias.
Para piorar, o comitê de conservação deve ter financiamento independente, por meio de um fundo, enquanto a comissão patina todo ano por verba.
O Japão, que capturou ano passado mais de 260 baleias no seu programa de "caça científica", incluindo os ameaçados cachalotes, ameaçou sair da comissão caso a iniciativa fosse aprovada. A Noruega -que descumpre a moratória em suas águas territoriais e matou 711 baleias minke no ano passado- disse que impedir a caça é "mau ambientalismo".
"A situação na CIB está ficando muito estranha para uma nação baleeira", disse Takanori Nagatomo, da Divisão Baleeira da Agência da Pesca do Japão.
Saindo da CIB, o país poderia se atribuir o direito de descumprir a moratória e caçar quantas baleias quisesse onde bem entendesse. Por outro lado, ficaria sujeito a retaliações comerciais de conservacionistas poderosos, como os Estados Unidos.
"Se fosse assim tão bom ficar fora da CIB, a Islândia não teria voltado", disse Viana, em alusão ao país nórdico que saiu da comissão e retornou ano passado, para engrossar o bloco caçador.
O Brasil apresentará em Berlim, pelo terceiro ano consecutivo, a proposta de criação de um santuário para as baleias no Atlântico Sul, entre o paralelo 40 e o Equador. A iniciativa será conduzida pelo presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Marcus Barros.
Para ser criado, o santuário precisa de dois terços dos votos da CIB. Ano passado, a proposta foi derrotada, com 23 votos a favor, 17 contra e 4 abstenções.

Diplomacia do cheque
Desde 2001 o Japão tem sido abertamente acusado por ONGs e por países como a Nova Zelândia de financiar a entrada de nações da África e do Caribe na comissão para votar a favor da reabertura da caça e contra a criação de novos santuários. Os votos seriam obtidos em troca de dinheiro de cooperação internacional, por meio da Jica, a agência japonesa de cooperação.
Neste ano, até agora já se somaram ao bloco caçador Belize e Nicarágua. Grécia e Hungria entrariam no lado conservacionista.
O Itamaraty conseguiu fazer lobby junto a países de língua portuguesa da África, como Angola e Cabo Verde, que recebem muita ajuda japonesa, para a aprovação do santuário. No entanto, a avaliação do ministério é que a probabilidade de que a proposta passe neste ano é mínima.
"Mas vamos continuar insistindo na apresentação da proposta, pela sua repercussão política", afirmou o comissário brasileiro.
A Iniciativa de Berlim, cujo texto integral está disponível na internet (www.iwcoffice.org/200320Documents/55-4.pdf), tem uma vantagem prática sobre a proposta brasileira: ela precisa de maioria simples para passar.



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