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"DNA" artificial dá pistas sobre surgimento da vida
Molécula replicadora feita com aminoácidos se monta sem auxílio de enzimas
Estudo, publicado no periódico "Science", tem como coautor Leslie Orgel, pai da hipótese do mundo de RNA, morto em 2007
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pesquisadores nos EUA criaram uma molécula artificial
que pode explicar como ocorreu a transição entre o mundo
sem vida e o aparecimento do
RNA (e depois do DNA), um
dos maiores enigmas da ciência. O achado ajuda a criar hipóteses sobre como a vida emergiu na sopa química dos oceanos primordiais da Terra, há
mais de 3 bilhões de anos.
Nos organismos existentes
hoje, o código genético está escrito em DNA (ácido desoxirribonucleico), que carrega a receita para fazer proteínas (as
moléculas que fazem tudo na
célula). O DNA, no entanto, é
complexo demais para ter sido
o primeiro transmissor de informação genética.
Uma parte da fita do DNA,
onde ficam as bases nitrogenadas, é responsável pelo pareamento (A-T e C-G) que permite
a transmissão da informação. O
resto do DNA é estrutura auxiliar: um esqueleto feito de fosfatos e açúcares onde as bases
nitrogenadas se ligam.
A montagem da fita, entretanto, só pode ser feita com a
ajuda de proteínas especiais
que aceleram reações químicas, as enzimas.
Ao criar o tPNA (o ácido nucleico peptídico de tioéster),
uma molécula que consegue
agregar bases nitrogenadas
sem precisar de enzimas, os
cientistas mostraram que é
possível que existissem moléculas mais simples do que o
DNA transmitindo informação.
O tPNA é mais simples até do
que o RNA (ácido ribonucleico), que a maioria dos cientistas
acha hoje que precedeu o DNA
no papel de replicador.
Esqueleto novo
Os cientistas do Instituto de
Pesquisas Scripps e do Instituto Salk, ambos na Califórnia,
criaram um novo tipo de esqueleto, feito de aminoácidos, os
"tijolos" que formam as proteínas. Os aminoácidos seguram
as bases nitrogenadas com
muito menos vigor do que os
fosfatos e açúcares do DNA. Isso faz com que as bases possam
se agregar ao tPNA mesmo sem
a presença de enzimas.
Sabe-se que os oceanos da
Terra primitiva eram repletos
de aminoácidos. Com a prova
agora de que bases nitrogenadas podem se fixar em uma estrutura de aminoácidos, existe
uma pista sobre como as informações se transmitiam antes
do surgimento do RNA.
O estudo foi publicado na última edição da revista "Science". Um de seus autores foi o
químico britânico Leslie Orgel,
morto em 2007. Orgel foi o pai
da teoria do "mundo de RNA",
que estabelecia o RNA como
predecessor do DNA.
O RNA hoje auxilia o DNA no
organismo humano, além de
carregar o genoma de certos vírus. Orgel propôs que ele tenha
reinado como único replicador
antes do surgimento do DNA.
"Apesar de a hipótese consensual para a molécula que
originou a vida ser o RNA, este
é considerado por alguns muito
complexo para ter sido a primeira molécula capaz de se autorreplicar. Logo, especula-se
que polímeros mais simples teriam antecedido o RNA e depois sido substituídos por ele",
diz o biólogo goiano Paulo
Amaral, da Universidade de
Queensland, na Austrália.
"Por outro lado, também é
consenso que esses sistemas
ainda são muito artificiais. Não
temos ideia do que realmente
estava lá há cerca de 4 bilhões
de anos", afirma.
Falta agora mostrar se o
tPNA pode se replicar indefinidamente. "Eles não mostraram
isso", diz Amaral. "Nem que o
sistema evolui (no sentido de
evolução darwinista). Mas o
primeiro passo foi dado."
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