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ETNOASTRONOMIA
Pesquisador de universidade do PR identificou mais de cem constelações a partir de relatos de índios
Físico reconstrói o mapa do céu indígena
RAFAEL CARIELLO
ANTÔNIO GOIS
ENVIADOS ESPECIAIS A RECIFE
Um pesquisador do Paraná passou os últimos dez anos, a expensas próprias, reconstituindo as
constelações conhecidas pelos
povos indígenas do Brasil. O esforço começa a dar resultado agora, depois de sua aposentadoria.
Germano Bruno Affonso, professor titular de física da UFPR
(Universidade Federal do Paraná)
e doutor pela Universidade de Paris 6, descobriu que as principais
constelações dos tupinambás,
que habitavam a costa brasileira
no século 16 e foram os primeiros
a ter contato com os europeus,
são comuns a diversas outras etnias do Brasil. São elas: Ema, Anta, Homem Velho e Veado.
As constelações indígenas, segundo ele, têm funções práticas
semelhantes às das constelações
ocidentais: marcar a passagem do
tempo, as estações do ano e servir
como pontos de orientação.
Mas são maiores, mais facilmente reconhecíveis e formadas
não só a partir de estrelas, como
de manchas na Via Láctea (Caminho de Anta ou Caminho dos Espíritos, para os tupinambás).
Além disso, ele conseguiu inventariar mais de cem constelações indígenas distintas. Os cientistas têm hoje 88 constelações catalogadas oficialmente.
O resultado da pesquisa será
apresentado hoje, na 55ª Reunião
Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência),
em Recife. Affonso falará na conferência "Contribuições Nativas
para o Conhecimento", às 15h.
Segundo o físico da UFPR, a
idéia de remontar o mapa do céu
dos índios começou com um relato do capuchinho francês Claude
d'Abbeville, no século 17, que veio
lhe cair nas mãos. Nele, o europeu
citava constelações conhecidas
pelos tupinambás do Maranhão.
A Affonso chamou atenção o fato de os nomes dessas constelações serem muitas vezes os mesmos que já tinha ouvido para descrever o céu entre grupos indígenas do Paraná.
Em guarani
"Sou de Ponta Porã, em Mato
Grosso do Sul", ele diz, "e desde
criança aprendi a falar em português, guarani e castelhano". Isso
facilitou, segundo ele, sua comunicação em guarani, obviamente,
mas também em variantes do tupi, língua da mesma família.
Percorrendo o país, Afonso afirma ter descoberto que o conhecimento dessas constelações está se
perdendo. Poucos índios puderam lhe informar sobre o que
viam no céu.
Os que o fizeram mostraram
dezenas de diferentes constelações, na maioria distintas de um
grupo para outro, mas sempre
guardando semelhanças entre as
principais.
O físico, a partir dos relatos, reconstruiu com seus conhecimentos astronômicos as estrelas que
comporiam essas constelações.
O maior número delas entre os
povos indígenas, segundo ele, tem
uma explicação: "Para os índios, a
terra nada mais é que um reflexo
do céu. Tudo que há aqui tem de
ter estado lá. No céu há necessariamente mais coisas que na terra", afirmou à Folha.
Entre essas "coisas", "constelações espirituais", que seriam entidades benéficas e maléficas e que,
dependendo de sua aparição no
céu, influenciam a vida dos povos
indígenas.
Apesar do grande número, a
constelação da Ema, por exemplo, é comum a quase todos os
povos do Brasil. Sua aparição por
inteiro no céu quando anoitece
indica a chegada do inverno para
os índios do sul do país (como a
constelação de Escorpião, para os
ocidentais) ou da seca, para os índios próximos ao equador.
A constelação do Homem Velho (figura humana com pena na
cabeça e uma perna cortada) indica a chegada do verão ou da estação chuvosa. O Veado é a estação
que marca o outono, e a Anta, a
primavera.
A hipótese de Afonso para a recorrência dessas constelações
principais é a de que isso se deve
ao fato de elas serem formadas
pelas estrelas mais brilhantes do
céu. A constelação da Ema, por
exemplo, é formada na sua "cabeça" pelo Cruzeiro do Sul, no pescoço pelas Alfa e Beta Centauro e
no "ânus" pela estrela Antares.
Aliás, ele chama a atenção, há
sempre estrelas muito brilhantes
nas extremidades dessas formações, e geralmente vermelhas
marcando o ânus ou um corte no
"corpo" da constelação, como no
caso da extremidade da perna direita do Homem Velho.
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