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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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ETNOASTRONOMIA

Pesquisador de universidade do PR identificou mais de cem constelações a partir de relatos de índios

Físico reconstrói o mapa do céu indígena

RAFAEL CARIELLO
ANTÔNIO GOIS

ENVIADOS ESPECIAIS A RECIFE

Um pesquisador do Paraná passou os últimos dez anos, a expensas próprias, reconstituindo as constelações conhecidas pelos povos indígenas do Brasil. O esforço começa a dar resultado agora, depois de sua aposentadoria.
Germano Bruno Affonso, professor titular de física da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e doutor pela Universidade de Paris 6, descobriu que as principais constelações dos tupinambás, que habitavam a costa brasileira no século 16 e foram os primeiros a ter contato com os europeus, são comuns a diversas outras etnias do Brasil. São elas: Ema, Anta, Homem Velho e Veado.
As constelações indígenas, segundo ele, têm funções práticas semelhantes às das constelações ocidentais: marcar a passagem do tempo, as estações do ano e servir como pontos de orientação.
Mas são maiores, mais facilmente reconhecíveis e formadas não só a partir de estrelas, como de manchas na Via Láctea (Caminho de Anta ou Caminho dos Espíritos, para os tupinambás).
Além disso, ele conseguiu inventariar mais de cem constelações indígenas distintas. Os cientistas têm hoje 88 constelações catalogadas oficialmente.
O resultado da pesquisa será apresentado hoje, na 55ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Recife. Affonso falará na conferência "Contribuições Nativas para o Conhecimento", às 15h.
Segundo o físico da UFPR, a idéia de remontar o mapa do céu dos índios começou com um relato do capuchinho francês Claude d'Abbeville, no século 17, que veio lhe cair nas mãos. Nele, o europeu citava constelações conhecidas pelos tupinambás do Maranhão.
A Affonso chamou atenção o fato de os nomes dessas constelações serem muitas vezes os mesmos que já tinha ouvido para descrever o céu entre grupos indígenas do Paraná.

Em guarani
"Sou de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul", ele diz, "e desde criança aprendi a falar em português, guarani e castelhano". Isso facilitou, segundo ele, sua comunicação em guarani, obviamente, mas também em variantes do tupi, língua da mesma família.
Percorrendo o país, Afonso afirma ter descoberto que o conhecimento dessas constelações está se perdendo. Poucos índios puderam lhe informar sobre o que viam no céu.
Os que o fizeram mostraram dezenas de diferentes constelações, na maioria distintas de um grupo para outro, mas sempre guardando semelhanças entre as principais.
O físico, a partir dos relatos, reconstruiu com seus conhecimentos astronômicos as estrelas que comporiam essas constelações.
O maior número delas entre os povos indígenas, segundo ele, tem uma explicação: "Para os índios, a terra nada mais é que um reflexo do céu. Tudo que há aqui tem de ter estado lá. No céu há necessariamente mais coisas que na terra", afirmou à Folha.
Entre essas "coisas", "constelações espirituais", que seriam entidades benéficas e maléficas e que, dependendo de sua aparição no céu, influenciam a vida dos povos indígenas.
Apesar do grande número, a constelação da Ema, por exemplo, é comum a quase todos os povos do Brasil. Sua aparição por inteiro no céu quando anoitece indica a chegada do inverno para os índios do sul do país (como a constelação de Escorpião, para os ocidentais) ou da seca, para os índios próximos ao equador.
A constelação do Homem Velho (figura humana com pena na cabeça e uma perna cortada) indica a chegada do verão ou da estação chuvosa. O Veado é a estação que marca o outono, e a Anta, a primavera.
A hipótese de Afonso para a recorrência dessas constelações principais é a de que isso se deve ao fato de elas serem formadas pelas estrelas mais brilhantes do céu. A constelação da Ema, por exemplo, é formada na sua "cabeça" pelo Cruzeiro do Sul, no pescoço pelas Alfa e Beta Centauro e no "ânus" pela estrela Antares.
Aliás, ele chama a atenção, há sempre estrelas muito brilhantes nas extremidades dessas formações, e geralmente vermelhas marcando o ânus ou um corte no "corpo" da constelação, como no caso da extremidade da perna direita do Homem Velho.


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