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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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Ciência em Dia

PLoS e SciELO dão o que falar

Marcelo Leite
editor de Ciência

Um espectro ronda as publicações científicas internacionais. Com um nome em aparência inofensivo, "PLoS", o fantasma transita pelas conexões de banda larga na internet. É o espírito do livre acesso, que está dando o que falar com seu potencial para virar de pernas para o ar o primeiro time das revistas, como "Nature", "Science" e "Cell".
"PLoS" quer dizer "Public Library of Science", ou biblioteca pública de ciência. Trata-se de um guarda-chuva editorial para a família de revistas eletrônicas que por ora gerou uma filha única, "PLoS Biology", lançada há coisa de um mês. A proposta é que qualquer cientista do planeta possa ler os artigos de pesquisa que publica, bastando ter acesso à internet e saber inglês -o mínimo, hoje.
Essa tentativa de furar o esquema das revistas tradicionais, que exigem caras assinaturas mesmo para uma consulta on-line, teve o impulso inicial de US$ 9 milhões da Fundação Gordon e Betty Moore (sendo Gordon Moore um fundador da indústria de chips Intel).
Um dos cabeças do movimento, que chegou a recolher 30 mil assinaturas de apoio, é o Nobel em Medicina americano Harold Varmus. Outro é Patrick Brown, um pioneiro dos chips de DNA, que já se envolveu na primeira encrenca do ramo: retirou seu nome da lista de autores de um trabalho que seria publicado na famosa "New England Journal of Medicine" (www.nejm.org), depois que a revista recusou o compromisso de pôr o artigo no domínio público. O "paper" sobre transplantes renais saiu na "NEJM" de 10 de julho (vol. 349, págs. 125-138), tendo Minnie Sarwal como autora principal.
O galho com a PLoS (www.plos.org) é que, se ela não cobra para ser lida, cobra -e bem- para ser recheada. O pesquisador que quiser publicar no novo órgão terá de pagar US$ 1.500 de "taxa de disseminação". O preço é proibitivo para muitos cientistas de países mais pobres, que de resto já contam com toda espécie de dificuldade para conseguir publicar nas revistas chiques (de alto impacto).
Além disso, há quem duvide que esse valor possa de fato cobrir os custos de edição, mesmo que a distribuição sobretudo eletrônica permita economia de uns 20%. Ocorre que revistas do calibre da "Cell" rejeitam até 90% dos manuscritos que recebem, mas submetem todos os que chegam a uma avaliação por especialistas, uma maneira segura de encarecer astronomicamente a operação. Nem é preciso dizer que a torcida contra vem das revistas estabelecidas na praça.
A favor já se pronunciaram alguns pesos-pesados entre os financiadores de pesquisa, como o Wellcome Trust britânico e o Howard Hughes Medical Institute norte-americano. Ambas as instituições anunciaram que cobrirão até US$ 3.000 de "taxas de disseminação" para pesquisas por elas custeadas.
O Wellcome Trust pôs o dedo na ferida em um relatório recente, afirmando que o sistema atual de milhares de publicações especializadas com assinaturas dispendiosas "não trabalha no interesse de cientistas e do público, mas é antes dominado pela determinação comercial de mercado em melhorar a própria posição mercadológica".
A boa notícia, para quem tem interesse em publicações científicas brasileiras, é que o país já tem um sistema próprio -apesar do nome colonizado- de livre acesso, a "Scientific Electronic Library Online" (www.scielo.br), uma biblioteca eletrônica com 114 periódicos nacionais, a maioria de interesse bem mais restrito que "Nature" ou "Science". A SciELO tem recebido mais de 326 mil consultas por dia -o tipo da aparição bem-vinda.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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