São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006

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Amazônia ignora 75% de seus insetos

Pesquisador do Inpa estima em 180 mil o número de espécies desconhecidas na floresta, contra apenas 60 mil descritas

Com só 20 especialistas trabalhando na região, país levaria 3.300 anos para conhecer diversidade que resta no grupo, diz cientista

Museu Paraense Emílio Goeldi
Borboletas do gênero Morpho, um dos insetos mais famosos da Amazônia, em coleção do Pará


EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM

A falta de taxonomistas (especialistas em identificação de espécies) na Amazônia é tão grande que apenas para conhecer todos os insetos ainda incógnitos da maior floresta tropical do mundo vão ser necessários até 3.300 anos. Isso significa o esforço de trabalho de 90 gerações de pesquisadores aproximadamente, que trabalham em média 35 anos.
"Hoje temos apenas 20 entomólogos (especialistas em insetos) em toda a Amazônia. A nossa estimativa é que existam 180 mil espécies a serem descritas", disse José Albertino Rafael, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). O especialista em insetos apresentou seus cálculos durante o 2º Simpósio Biota Amazônica, encerrado anteontem em Belém (PA).
O levantamento feito por Rafael considera a produção taxonômica brasileira entre 1978 e 1995. Segundo o cientista, nesse período, foram descritas 5.100 espécies em todo o país, o que significa 300 espécies por ano. Como as pesquisas foram feitas por 112 entomólogos, cada um deles descreveu, em média, 2,7 espécies por ano.
"Como na Amazônia temos duas dezenas de pessoas trabalhando hoje, estamos falando em 54 espécies por ano", explica o pesquisador do Inpa. Segundo Rafael, todos as estimativas sérias sobre o número de insetos brasileiros mostram que falta conhecer, na Amazônia, 180 mil espécies, enquanto 60 mil já são conhecidas.
"Basta dividir o número de espécies desconhecidas pela produção anual recente para saber o tempo para que todo o conhecimento biológico sobre os insetos seja obtido", avalia Rafael, lembrando que em um tempo muito menor que esse, a mata atlântica foi quase totalmente destruída. Segundo o pesquisador, mesmo que se consiga que outros 20 especialistas, de fora da Amazônia, estudem a região, o tempo estimado por ele seria no máximo dividido por dois.
Em termos geográficos, segundo os cálculos de Rafael, existe um único taxônomo para 173 mil km2, pouco mais que toda a área do Estado do Acre. "O Brasil não tem hoje capacidade instalada para gerar todo o conhecimento de sua biodiversidade", afirmou o pesquisador.

Foco na Amazônia
Como o ritmo da destruição ambiental está muito maior do que o estudo das espécies que estão desaparecendo, a sensação de impotência foi narrada pela maior parte dos cientistas reunidos em Belém. Para Miguel Trefaut, da USP, uma das soluções passa necessariamente pelo Congresso Nacional.
"A comunidade científica precisa se articular para que seja criado um projeto de lei que torne a biodiversidade um patrimônio insubstituível de importância estratégica para a nação", disse Trefaut à Folha. Segundo o pesquisador, dessa forma seria mais fácil conseguir conhecer os animais e as plantas de muitas áreas do Brasil.
"A pessoa que desmata uma área para soja hoje, por exemplo, não é obrigada a fazer um levantamento da região. Isso só ocorre em grandes empreendimentos, como no caso das hidrelétricas", explica.
Diante dos pesquisadores reunidos em Belém, o zoólogo paulista também defendeu a criação de um projeto chamado por ele de Biotafocal-Amazônia. Seria uma espécie de inventário completo da Amazônia. "A maior parte das áreas ainda são desconhecidas."
Enquanto no primeiro caso o recursos viriam dos donos das áreas a serem desmatadas, na segunda proposta, segundo Trefaut, o governo deveria ser o financiador. "Os invertebrados, por exemplo, quase não serão levados em conta no traçado das áreas prioritárias que o governo está fazendo para a região amazônica."

O jornalista Eduardo Geraque viajou a Belém a convite da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência)


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